quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

eu tenho um cão que chora

 


PSV - dez 2021


eu tenho um cão que chora

pelos séculos e milhas

que nos separam 

pranteia um lamento triste

intermitente

desconsolado

choro infantil da perda irremediável

da amarga desesperança

do abandono mais sombrio

diz o seu gemido

que a distância 

mesmo momentânea

o torna infeliz para todo o sempre

 

até que nos reencontramos

e o êxtase se restabelece

em forma de olhar e estremecimento

 

meu cão que chora tem alma de menino

será ele um pouco gente?

serei eu um pouco cão?


 

 

mi havas ploreman hundon

dum jarcentoj kaj mejloj

kiuj nin disigas

ĝi ploras malgajan lamenton

intermitan

senkonsolan

infanan ploron pro senrimeda perdo

pro amara senespero

pro plej ombra forlaso

ĝia ĝemado diras

ke la distanco

eĉ se momenta

faras ĝin malfeliĉa por ĉiam

 

ĝis ni rerenkontiĝas

kaj ekstazo refariĝas

en formo de rigardo kaj tremado

 

mia hundo plorema havas animon de knabo

ĉu ĝi estas iom homa?

ĉu mi estas iom hunda?

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Numa folha de veludo

 


PSV dez 2021


    Numa folha de veludo,

    uma gota cristalina.

    Deus é o artesão de tudo,

    a Natureza, a oficina.

 

    Eta guto sur folio

    ŝajnas perlo sur veluro.

    Juvelisto estas Dio;

    metiejo, la Naturo.

terça-feira, 30 de novembro de 2021

fresta

 


PSV nov 2021

o mundo vê-se por uma fresta

estreita velada

olhos espreitam

ouvidos tateiam

mãos acenam

em vão

 

não se diga eu sei o mundo

diga-se suponho o mundo

ou nada se diga

 

a delgada brecha nos irmana

vão que nos cabe

vão em que cabemos

mesquinho

 

 

breĉo

 

la mondon oni vidas tra breĉo

mallarĝa vualita

okuloj gvatas

oreloj palpas

manoj gestas

vane

 

oni ne diru mi scias la mondon

oni diru mi supozas la mondon

aŭ nenion oni diru

 

mallarĝa breĉo nin kunfratigas

spaco al ni destinita

spaco por ni sufiĉa 

apenaŭ

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Racismo


PSV - nov 2021


Denunciar racismo e outras formas de discriminação tem sido frequente. Aqui vai minha contribuição.

Quando eu era criança, ouvi diversas vezes a seguinte frase asquerosa, quase sempre seguida de um sorriso cínico:

— Meu cachorro não gosta de preto!

Lembro que fiquei espantado, na primeira vez em que ouvi. Embora criança, eu percebia o absurdo da afirmativa. Abjeta pelo negro, que nem mesmo o mais amoroso dos animais poderia amar;  infame pelo cão, obrigado a incorporar à revelia a vileza do dono. 

Faz tempo que já não se ouve tal infâmia. Ainda bem. 

 

Rasismo

 

Denunci rasismon kaj aliajn formojn de diskriminacio estas nuntempe ofta ago. Jen mia kontribuo.

Kiam mi estis infano, mi plurfoje aŭdis la jenan naŭzan frazon, preskaŭ ĉiam sekvatan de cinika rikano:

— Mia hundo ne ŝatas nigrulojn!

Mi memoras, ke mi ekmiris, kiam mi ĝin aŭdis unuafoje. Kvankam mi estis infano, mi perceptis la absurdecon de tiu aserto. Abomena pro la negro, kiun eĉ la plej amema inter la bestoj ne povus ami; maldigna pro la hundo, devigita enkorpigi kontraŭvole la fiecon de sia posedanto. 

Jam de longa tempo oni ne aŭdas tian kotaĵon. Feliĉe. 

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Ponciá Vicêncio

 





A literatura pode servir a uma causa? Terá uma missão, ou pelo menos uma função?

Tais perguntas acodem ao leitor, quando ele depara com um novo grande autor que despende todo o seu talento na construção da escrita literária. E mais intrigado ficará, se o referido autor escolher por tema uma causa social, humanitária. O que o impulsiona?

Trata-se aqui da leitura de “Ponciá Vicêncio”, de Conceição Evaristo. Esta (não tão) nova revelação do panorama literário brasileiro consegue mexer nas entranhas de quem lê. Com uma linguagem direta, crua e poderosa, isenta de enfeites mas plena de sentimento, ela narra a vida breve de Ponciá — heroína ou mártir? — num romance curto, novela talvez. Tudo na mais estrita medida: frases como soluços. E não há por que prolongar a narrativa por mais de cento e poucas páginas, pois não há muito mais a narrar. Ponciá dispõe de muita alma, mas de escassa vida. Nasceu pobre, migrou pobre, sobreviveu pobre e morreu ausente de si. Um espírito doce a que não se permitiu apuro. 

A escrita de Evaristo comove ao âmago, e faria chorar, não fosse seco o cenário que apresenta:

“Ponciá Vicêncio tirou o homem-barro de dentro do baú, colocando-o em cima da mesa. Estava cansada, tinha fome, emoção e um pouco de frio. A cabeça tonteou. Sentou-se rápido num banquinho de madeira. Veio então a profunda ausência, o profundo apartar-se de si mesma. 

           "Quando Ponciá voltou a si já era quase meia-noite. Quanto tempo ficara alheia? Não sabia ao certo. Chegara ali por volta do meio-dia e agora a noite já tinha se dado. Lembrou dos biscoitos fritos que a mãe fazia.  Abriu a trouxa (semelhante à que levara quando partiu) e de lá retirou um pedaço de pão com linguiça.  Comeu a merenda desejando um líquido. Saboreou na lembrança da língua o gosto do café da mãe. Contemplou a figura do homem-barro e sentiu que ela cairia em prantos e risos.”

Não se trata apenas de dar voz ao negro, ao pobre, ao desvalido, ao excluído. Não é apenas uma escrita de denúncia, no tom da mais profunda autenticidade. É antes uma pergunta sussurrada: em que degrau da escada se encontra a sua humanidade, prezado leitor?

 

 

Ponciá Vicêncio

 

Ĉu la literaturo povas servi ian idearon? Ĉu ĝi havas mision, aŭ almenaŭ funkcion?

Tiaj demandoj venas en la kapon de leganto, kiam li ekkonas novan grandan aŭtoron, kiu uzas sian tutan talenton por konstrui literaturan skribon. Kaj li eĉ pli miras, se la menciita aŭtoro elektis kiel temon ian socian, homaranan idearon. Kio lin antaŭenpuŝas?

Temas ĉi tie pri la legado de “Ponciá Vicêncio”, de Conceição Evaristo. Ĉi tiu (ne tre) nova rivelo en la brazila literaturpanoramo sukcesas tuŝi la internaĵon de tiu, kiu legas. Per rekta, kruda kaj potenca lingvaĵo, sen ornamoj sed plena de sento, ŝi rakontas la nelongan  vivon de Ponciá — heroino aŭ martiro? — en nelonga romano, eble novelo. Ĉio sidas en sia plej strikta mezuro: frazoj etaj kiel singultoj. Kaj ne indas plilongigi la rakonton je pli ol cent-kelkaj paĝoj, ĉar ne multo restis por rakonti. Ponciá enhavas grandan animon, sed malgrandan vivon. Ŝi naskiĝis malriĉa, migris malriĉa, postvivis malriĉa kaj mortis ekster si mem. Dolĉa spirito, al kiu oni ne permesis rafiniĝon. La skribo de Evaristo kortuŝas ĝis la kerno, kaj estus ploriga, se la prezentita scenejo ne estus seka:

“Ponciá Vicêncio elprenis el la kesto la argil-homon, metis ĝin sur la tablon. Ŝi estis laca, malsata, emocia, kaj sentis iom da malvarmo. La kapo turniĝis. Ŝi rapide sidiĝis sur lignobenketon. Tiam, alvenis profunda foresto, ia profunda disiĝo de si mem. 

           "Kiam Ponciá rekonsciiĝis, estis jam preskaŭ noktomeze. Dum kiom da tempo ŝi restis for? Ŝi ne precize sciis. Ŝi alvenis tie ĉirkaŭ la tagmezo kaj nun la nokto jam prezentiĝis. Ŝi ekmemoris la frititajn biskvitojn, kiujn ŝia patrino preparis. Ŝi malfermis la tolpakon (similan al tiu, kiun ŝi kunportis, okaze de la eliro) kaj el tie ŝi prenis pecon da pano kun kolbaso. Ŝi glutis la manĝeton dezirante likvaĵon. Ŝi gustumis per la langomemoro  la patrinan kafon. Ŝi kontemplis la figuron de la argil-homo kaj eksentis, ke ŝi ploros kaj ridos.”

Ne temas nur pri tio, ke oni donas voĉon al negro, al malriĉulo, al senhavulo, al marĝenigito. Ĝi ne estas nur denunca skribo, en tono de plej profunda aŭtentikeco. Ĝi estas prefere susura demando: sur kiu ŝtupo de la ŝtuparo troviĝas via homeco, kara leganto?

 

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

o peso do corpo

 



PSV - nov 2021

Gente rica flutuando alegremente dentro de uma cápsula espacial. Brincam como crianças, felizes por não sentir o próprio peso. Visitam a órbita da Terra, por obra da Ciência e do dinheiro. Não fosse pela contribuição que talvez concedam ao progresso, eu diria que estão a esbanjar, por alguns minutos de imponderáveis cambalhotas. Muitos milhões. É verdade que veem pela janela uma infinita paisagem sideral, se calhar com a impressão de que o fazem de perto. Retornam da breve vilegiatura como heróis privilegiados, com nomes gravados na História. 

A aventura é espantosa, mas não me apetece: prefiro os pés no chão, enquanto posso suportar o peso do corpo, ainda que precariamente. E olhar de perto os homens e as coisas do mundo, com vagar, tentando compreender. 

 

Korpopezo

 

Riĉaj homoj gaje ŝvebas en spac-kapsulo. Ili ludas kiel infanoj, feliĉaj, ke ili ne sentas sian propran pezon. Ili vizitas la orbiton de la Tero, danke al Scienco kaj al mono. Se ne estus la kontribuo, kiun ili eble donas al progreso, mi dirus, ke ili malŝparegas por kelkaj minutoj da senpezaj kaprioloj. Multajn milionojn. Estas vero, ke ili vidas tra la fenestro senfinan kosman pejzaĝon, eventuale kun la impreso, ke ili tion faras de proksime.  Ili revenas de la mallonga ekskurso kiel privilegiaj herooj, kun nomoj gravuritaj en la Historion. 

La aventuro estas mirinda, sed ne allogas min: mi preferas miajn piedojn sur la grundo, dum mi povas elporti la korpopezon, eĉ se apenaŭ. Kaj rigardi de proksime la homojn kaj la aferojn en la mondo, malrapide, penante kompreni. 


quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Está certo?

 


PSV - out. 2021

O Brasil já era pobre. Com a pandemia, empregos e salários diminuíram drasticamente, a miséria aumentou, a fome se alastrou, multidões moram na rua. Uma calamidade.

No entanto, as grandes fortunas aumentaram, com os mais ricos ainda mais ricos.  E vieram notícias como esta: um dos maiores bancos privados internacionais a funcionar no país registrou lucro líquido de 4,3 bilhões no terceiro trimestre de 2021, um crescimento de 12,5% na comparação com igual período do ano passado. 

Como sou analfabeto em economia, pergunto: está certo, isso?

 

Ĉu tio estas ĝusta?

 

Brazilo jam antaŭe estis malriĉa lando. Post la pandemio, laborpostenoj kaj salajroj draste malpliiĝis, mizero kreskis, malsano disvastiĝis, homamasoj vivas surstrate. Katastrofo. 

Tamen, grandaj individuaj riĉaĵoj pliiĝis, nome la plej riĉaj homoj fariĝis eĉ pli riĉaj. Kaj alvenis informoj, kie ĉi tiu: unu el la plej grandaj privataj internaciaj bankoj funkciantaj en la lando registris neta profiton de 4,3 miliardoj da realoj en la tria jarkvarono de 2021, kio respondas al kresko de 12,5% kompare kun la sama periodo en la pasinta jaro. 

Ĉar mi estas analfabeto pri ekonomiko, mi demandas: ĉu tio estas ĝusta?

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Selvageria


PSV - out. 2021


Está no jornal: há quase 20 milhões de brasileiros esfomeados; e outros tantos em estado de “vulnerabilidade nutricional” (eufemismo cruel!). Vulneráveis são os que catam restos de comida nos caminhões de lixo. 

Está no jornal: o Brasil é o segundo maior exportador de alimentos no mundo. O negócio alcança a cifra de 500 bilhões de reais por ano. 

Não está no jornal: o capitalismo carece das rédeas da decência e do freio da humanidade. É possível abrandar essa selvageria por meio de regulamentação.

 

 

Sovaĝeco

 

Jen informo en ĵurnalo: ekzistas preskaŭ 20 milionoj da malsatantaj brazilanoj;  kaj same tiom da homoj en stato de “nutro-risko” (kruela eŭfemismo). Sub risko, ili kolektas restaĵojn el rubaĵ-kamionoj.

Jen informo en ĵurnalo: Brazilo estas la dua plej granda eksportanto de nutraĵoj en la mondo. Tiu negoco atingas ciferojn de 500 miliardoj da realoj en ĉiu jaro. 

Ne troviĝas en ĵurnalo: kapitalismo bezonas rimenojn de deco kaj bridon de homamo. Estas eble mildigi tian sovaĝecon per reguloj. 

domingo, 17 de outubro de 2021

dívida

 


PSV - 2018

 

devo alguma coisa a este vale

ele nada me cobra

o que torna ainda mais penosa a minha dívida

a montanha longe

os campos de sol 

o rio que sinua lento

alguma garça

uma velha árvore

poentes luxuosos

vale leito de lembranças

 

andei um pedaço de mundo

esquecido do uterino vale 

nascedouro da minha humanidade

aqui me pus de pé

aqui aprendi a ter medo

decifrar palavras

silêncios

gente

soslaios

cheiros

vagos gestos

 

hoje olho o vale como meu pai olhava

como era verde o meu vale (ele repetia)

vale que nada me cobra

em sua existência imponderável

a que sempre deverei 

a minha própria vagueza

 

 

 

 

ŝuldo

 

ion mi ŝuldas al ĉi tiu valo

ĝi nenion postulas de mi

kio faras eĉ pli pena mian ŝuldon

la fora montaro

la sunaj kampoj

la rivero malrapide sinuanta

ia ardeo

ia maljuna arbo

luksaj sunsubiroj

valo lito el rememoroj

 

mi trairis pecon de la mondo

forgesinte la uteran valon

naskejo de mia homeco

ĉi tie mi ekstaris

ĉi tie mi lernis timon

deĉifri vortojn

silentojn

homojn

oblikvojn

odorojn

svagajn gestojn

 

hodiaŭ mi rigardas la valon kiel ĝin rigardis mia patro

kiel verda estas mia valo (li ripetadis)

valo nenion postulanta de mi

en sia senpeza ekzistado

al kiu mi ĉiam ŝuldos

mian propran svagecon



quarta-feira, 29 de setembro de 2021

O pássaro, calmo, nada



PSV Ago 2021


O pássaro, calmo, nada

na água que, leve, tremula.

Meu olhar descansa, a cada

lembrança que em mim ondula...

 

La birdo naĝas trankvile

sur la lago. Akvo tremas.

Kaj rememoroj, flugile,

melankolie min premas...




PSV Ago 2021

Por sobre a rosa madura

surge o botão apressado.

Uma vida pouco dura:

quando se vê, é passado.

 

Super la rozo matura

jam kreskas vigla burĝono.

Nia vivo estas nura

efemera sekundono.


sexta-feira, 24 de setembro de 2021

mouco

 


PSV Ser 2021



mouco fruto pendente do flexível galho

em vão te agradecem as bocas pelo sumo 

 

mouco céu noturno a luzir prata

embalde te fitam deslumbrados os sombrios olhos

 

mouco rio que flui eternamente

pouco adianta molhar os pés cansados em teu úmido cristal

 

mouco pássaro que madruga à fresta da janela

inútil despertar contigo sem teu voo

 

mouco passo de um homem pela rua

debalde tentar seguir-te a órbita

 

mouco solitário solo de sopro

na música de um verso inesquecível

de nada vale falar-te

resta ouvir

 

 

 

surda

 

surda frukto pendanta de fleksebla branĉo

vane buŝoj dankas cin por suko

 

surda nokta ĉielo arĝente luma

senrezulte cin ravite rigardas ombraj okuloj

 

surda rivero eterne fluanta

nenion valoras malsekigi lacajn piedojn en cia humida kristalo

 

surda birdo kiu matenas ĉe breĉo de fenestro

senutile vekiĝi kun ci sen cia flugo

 

surda paŝo de homo surstrate

ne indas peni sekvi cian orbiton

 

surda soleca solo de blovinstrumento

en muziko de neforgesebla verso

ne eblas al ci paroli

sufiĉas aŭdi

sábado, 18 de setembro de 2021

Universal Conceição

 


 

Há livros que causam tal impacto, que o leitor sente necessidade de organizar seus pensamentos, finda a leitura. Para depois reler. “Olhos d’ Água” é assim; Conceição Evaristo não por acaso ascendeu ao degrau mais alto da literatura brasileira, com sua prosa impactante. Nos quinze contos da coletânea a autora desdenhou da escrita enfeitada e elegante. Tratou de tecê-la com o vigor e aspereza dos sofrimentos humanos: a dor do negro, do pobre, do marginalizado, do excluído, que no entanto nunca deixa de ser gente, com alma como toda gente. A quem só resta orfandade, bandidagem, transgressão, medo, violência, humilhação. E sobretudo com a dor das mães, a quem resta, ao cabo, acender velas junto aos defuntos filhos. Por vezes, chega a ser rude, como cabe:

 

“O que ele gostava mesmo era de ver o medo, o temor, o pavor nas feições e modos das pessoas. Quanto mais forte o sujeito, melhor. Adorava ver os chefões, os mandachuvas se cagando de medo, feito aquele deputado que ele assaltou um dia. Foi a maior comédia. Ficou na ronda perto da casa do homem. Quando ele chegou e saltou do carro, Davenga se aproximou.

— Pois é, doutor, a vida não tá fácil! Ainda bem que tem homem lá em cima como o senhor defendendo a gente, os pobres. — Era mentira.”

 

Conceição Evaristo provém de camada discriminada da sociedade brasileira. Através da escrita e do exercício de pensar, construiu para si um lugar de honra nessa mesma sociedade. Sofreu desprezos, até quando se candidatou à Academia Brasileira de Letras. Mas se orgulha, com comovente simplicidade, de abrir caminhos para uma “gente que quer mostrar seu valor”. 

Assisti a uma entrevista dela no programa “Roda Viva”, da TV Cultura. Fui correndo atrás de “Olhos d’ Água”, envergonhado de ter perdido tanto tempo. E preciso com urgência ler mais dessa extraordinária brasileira universal.

 

UNIVERSALA CONCEIÇÃO

 

Ekzistas libroj, kiuj kaŭzas tian skuon, ke la leganto eksentas la bezonon organizi siajn pensojn, post la legado. Kaj poste li relegos ĝin. “Akvaj Okuloj” estas tia libro; Conceição Evaristo ne hazarde grimpis al plej alta ŝtupo en la brazila literaturo, kun sia frapanta prozo. En la dek kvin rakontoj de la kolekto la aŭtorino spitis ornamitan kaj elegantan verkadon. Ŝi decidis teksi ĝin per vigleco kaj krudeco de la suferoj homaj: la doloro de negroj, de malriĉuloj, de marĝenuloj, de forlasitoj, kiuj tamen estas homoj, kun animo, kiel ĉiuj homoj. Al kiuj restas nur orfeco, banditeco, krimado, timo, perforto, humiliĝo. Kaj precipe la doloro de patrinoj, al kiuj fine koncernas nur bruligi kandelojn apud siaj mortintaj idoj. Foje, ŝi estas kruda, laŭnecese:

 

Kio plej plaĉis al li estis vidi la timon, la teruron, la hororon en la mienoj kaj gestoj de homoj. Ju pli forta la ulo, des pli bone. Li amegis vidi, kiam gravuloj, aŭtoritatuloj ekfekas pro timo, kiel okazis al tiu deputito, kiun li rabis, unu tagon. Tio estis vere komika. Li gvatis proksime al la domo de la homo. Kiam li alvenis kaj eliris el la aŭto, Davenga alproksimiĝis.

— Do, doktoro, la vivo ne estas facila! Feliĉe troviĝas homoj tie supre, kiel vi mem, kiuj defendas nin, la malriĉulojn. — Tio estis mensogo.”

 

Conceição Evaristo devenis de subpremata tavolo de la brazila socio. Per verkado kaj pensado ŝi konstruis al si honorlokon en ĉi tiu sama socio. Ŝi suferis spitadon, eĉ kiam ŝi kandidatiĝis al la Brazila Akademio de Beletro. Sed ŝi fieras, kun kortuŝa simpleco, ke ŝi malfermis vojojn al “homoj, kiuj volas montri sian valoron”.

Mi spektis ŝian intervjuon en la programo “Roda Viva”, de TV Kulturo. Mi rapidis serĉi la libron “Akvaj Okuloj”, hontante, ke mi tiom malfruas. Kaj mi urĝe bezonas legi pli da verkoj de tiu eksterordinara universala brazilanino. 

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Vivo!

 


PSV set 2021


A Previdência Social quer saber se estou vivo. Não deixa de ser uma atenção especial, uma espécie de presente de aniversário. No mês em que se aniversaria, recebe-se o convite simpático para comparecer ao banco e declarar, cheio de orgulho: “Estou vivo!” Não é pouco. Conheço pessoas muito melhores que não vão poder repetir o gesto, este ano. Deus as tenha.

Compreendo que me queiram saber vivo. Há mortos, neste país de surpresas, que continuam, no além, a receber seus proventos, embora nada possam comprar com eles, lá onde descansam, longe dos comércios humanos. 

Na sala de espera cheia de idosos, esperei pacientemente pelo meu presente de aniversário. Numa tela iam aparecendo letras e números de senhas, infindáveis. Nos respectivos guichês, cada aniversariante era atendido com a lentidão habitual: 2 minutos para chegar até o guichê, 3 minutos para encontrar os óculos, 4 minutos para achar o documento de identidade, 2 minutos para confirmar o endereço, 4 minutos para narrar algum acontecimento relativo à própria saúde, mais alguns minutos para enviar recomendações aos familiares do atencioso atendente. Enquanto isso, os que esperavam a sua vez davam graças pelo ar condicionado, pela cadeira macia em que foram assentados, pela distração de ver tanta gente a se movimentar, em torno.            

Algum velho ranzinza talvez se impacientasse por esperar tanto. Velho tonto! Mal atina que vai voltar para casa, para a monotonia, para a solidão. Aproveitemos!

       Eu até gostei. Durante a espera, li um conto de Machado, fiquei sabendo de estranhas manobras na política do Haiti, enviei mensagens a amigos distantes, procurei no dicionário o significado da palavra “magnicídio”. Vivendo e aprendendo. E viva a internet e o celular!

Depois de quase duas horas de espera, fui atendido por uma moça muito atenciosa. Em poucos minutos, ela dedilhou a informação essencial: continuo vivo. Agradeci sensibilizado e enviei muitas recomendações à família da moça. 

Voltei à casa, satisfeito, a meditar. Como é feliz o cidadão brasileiro, sempre tão bem atendido nos serviços do Estado. Só faltava mesmo diminuírem um tantinho o volume de impostos. 

Mas nada de reclamar. Afinal, estou vivo. 

 

 

VIVANTA!

 

La Socia Asekuro volas scii, ĉu mi vivas. Temas certe pri speciala atento, iaspeca naskiĝdata donaco. En la monato de sia naskiĝdato oni ricevas simpatian inviton ĉeesti bankagentejon kaj deklari, fiere: “Mi vivas!” Ne banala afero. Mi konas homojn multe pli valorajn, kiuj ne povos ripeti tiun agon, ĉi-jare. Dio gardu ilin. 

Mi komprenas, ke oni volas scii, ĉu mi vivas. Ekzistas mortintoj, en ĉi tiu lando de suprizoj, kiuj plu ricevas sian pension en la transmondo, kvankam ili jam nenion povas aĉeti per ĝi, tie kie ili ripozas, for de la homa komerco.

En la atendhalo plena de maljunuloj, mi pacience atendis mian naskiĝdatan donacon. Sur ekrano sinsekve aperadis literoj kaj ciferoj de atendokartoj, senfine. Antaŭ la koncerna giĉeto, ĉiu datrevenanto estis prizorgata kun la kutima malrapideco: 2 minutoj por atingi la giĉeton, 3 minutoj por trovi la okulvitrojn, 4 minutoj por trovi la identigan dokumenton, 2 minutoj por konfirmi la adreson, 4 minutoj por raporti iun okazaĵon rilate sian sanstaton, plus kelkaj minutoj por sendi salutojn al la familianoj de la afabla oficisto. Dume, la atendantoj dankadis pro la klimatizilo, pro la mola seĝo sur kiun oni sidigis ilin, pro la amuziĝo, ke ili vidas tiom da moviĝantaj homoj, ĉirkaŭe. 

Iu malbonhumora maljunulo eble malpacienciĝus, ke li tiom atendadas. Stulta maljunulo! Li ne atentas, ke li revenos al sia hejmo, al monotoneco kaj al soleco. Ni profitu la okazon! Al mi la afero eĉ plaĉis. Dum la atendado, mi legis rakonton de Machado de Assis, mi informiĝis pri strangaj manovroj en la politiko en Haitio, mi sendis mesaĝojn al foraj amikoj, mi serĉis en vortaro la signifon de la vorto “pastiso”. Oni vivas, oni lernas. Kaj vivu interreto kaj poŝtelefono!

Post preskaŭ duhora atendado, min akceptis tre afabla junulino. Dum malmultaj minutoj ŝi klakis esencan informon: mi plu vivas. Mi sentoplene dankis kaj sendis multajn salutojn al la familianoj de la junulino.

Mi revenis hejmen, kontenta, meditante.  Kiel feliĉa estas la brazila civitano, ĉiam bonege traktata en la servoj de la Ŝtato. Mankus nur, ke oni iomete malpliigu la kvanton da impostoj. 

Sed for la plendado. Nu, mi vivas.

domingo, 5 de setembro de 2021

um dia no ano

 


Dia 4 de setembro é o Dia Nacional de Leitura da Polônia. A iniciativa é interessante e já tradicional, naquele país. Nesse dia, toda a população é convidada para a leitura, individual ou coletiva, de trechos de uma obra de importante autor polonês. O autor e o texto escolhidos ficam adrede anunciados, para que nos parques, praças, lares, clubes, salões, restaurantes, bares,  transportes públicos, ou quaisquer outros lugares, os poloneses festejem a nação por meio da literatura, por alguns minutos. Já aconteceu de um paraquedista ler o livro enquanto descia ao solo!

A iniciativa tem tido tamanha repercussão que o convite se estendeu a outros países. Mas como é que pessoas de outros países poderiam participar, sem saber polonês? Por meio de traduções, claro. No Brasil, um grupo de Esperantistas, liderados pelo ativista da Língua Internacional Álvaro Motta, do Rio de Janeiro (e descendente de poloneses) resolveu convocar um grupo para leitura da obra do ano, em tradução para o Esperanto. Será por plataforma virtual. Depois, envia-se a gravação para o governo da Polônia, que sempre retribui com simpático cumprimento. Vale pelo bonito sentido simbólico do gesto: fraternidade entre os povos, por meio da arte. 

Como seria bom se o povo brasileiro, um dia no ano, se unisse para ler Machado de Assis, José de Alencar ou Guimarães Rosa, para o bem da nação! 

 

UNU TAGON EN ĈIU JARO!

 

La 4-a de septembro estas Tago de Nacia Legado en Pollando. Tiu iniciato estas interesa kaj jam tradicia, en tiu lando. Tiun tagon, la tuta loĝantaro estas invitita por legado individua aŭ grupa de fragmentoj de verko de iu grava pola aŭtoro. La elektitaj aŭtoro kaj teksto estas anticipe anoncitaj, por ke en parkoj, placoj, hejmoj, kluboj, salonoj, restoracioj, kafejoj, publikaj transportiloj aŭ ĉie ajn, poloj festu la nacion per literaturo, dum kelkaj minutoj. Jam okazis, ke paraŝutisto legis la libron dum li malsuprenvenis sur la grundon!

Tiu iniciato tiel furoris, ke la invito transpasis al aliaj landoj. Sed kiel homoj en aliaj landoj povus partopreni, sen scio de la pola lingvo? Per tradukoj, kompreneble. En Brazilo, grupo da Esperantistoj, sub la gvidado de la aktivisto Álvaro Motta, en Rio de Janeiro (li estas pranepo de poloj) decidis kunigi grupon por legado de la ĉi-jara verko, en traduko al Esperanto. Ĝi okazos per virtuala platformo. Poste, oni sendas la registron al la pola registaro, kaj ĝi ĉiam reagas per simpatia saluto. La afero valoras pro la bela simbola senco de tiu ago: frateco inter popoloj, pere de arto.

Kiel bele estus, se la brazila popolo, unu tagon en ĉiu jaro, unuiĝus por legi Machado de Assis, José de Alencar aŭ Guimarães Rosa, por la bono de la nacio!

quinta-feira, 2 de setembro de 2021

silêncio amarelo

 

PSV - ago 2021


em silêncio solene

sob céu de inverno

a árvore grita flores amarelas

 

uma vez por ano

a árvore fala 

em idioma de ouro

 

breve despencarão as coloridas palavras

no solo das banalidades

e retornará o silêncio 

da nua ramagem

 

que diz a árvore amarela?

talvez ensine as cores do silêncio

 

 

flava silento

 

en solena silento

sub vintra ĉielo

la arbo krias flavajn florojn

 

unufoje en ĉiu jaro

la arbo parolas

lingvon el oro

 

baldaŭ falos la koloraj vortoj

sur la grundon de banalaĵoj

kaj revenos la silento

de la nuda branĉaro

 

kion diras la flava arbo?

eble ĝi instruas la kolorojn de silento

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

discernimento

 

PSV - ago 2021

 

“ Eu sempre desconfio dessas pessoas que querem salvar o mundo.”

A frase, desferida por um desses homens de televisão que sabem tudo, em tom irônico e arrogante, causou-me desconforto. Como assim? O mundo anda tão às avessas e ele ainda critica quem se esforça por melhorá-lo? Como pode ele julgar as intenções de alguém que luta por tornar melhor o nosso confuso planeta?

Sempre tive simpatia pelo idealismo utópico. Mas fiquei a refletir por dias na frase do pretensioso artista do saber. 

Até que me sobreveio uma onda de ponderação. Talvez ele tenha razão. A ninguém, individualmente, é dado o poder de salvar o mundo. Se é que o mundo tem salvação, não será ela obra de um homem, mas de toda a coletividade. Se alguém se arvora a tanto, talvez seja mesmo o caso de desconfiar: onipotência ingênua? se calhar, alguma escusa intenção, para proveito próprio? O máximo que se pode esperar de alguém bem intencionado é contribuir para a melhora do mundo, como quem acrescenta um tijolinho na construção da catedral. 

Mudei de ideia e acabei por concordar com o antipático sábio televisivo. 

Mas os pensamentos não cessaram. Por que tinha eu recusado a ideia, no primeiro momento – ideia que agora se me afigurava tão clara? Porque fora dita em tom irônico e arrogante. Isso me fez rechaçá-la! Que terrível equívoco! A antipatia do falante me fizera recusar a verdade da frase. Mais uma vez, a emoção sobrepujara a razão. Comentando o caso com meu irmão (este sim, um racional inabalável), ele propôs a seguinte questão: “O que você prefere: um afetado antipático que diga a verdade, ou um agradável simpático que a escamoteie?”

Respondi de pronto: prefiro alguém que ma apresente com clareza e sobriedade. Enquanto tento apurar o meu escasso discernimento.

 

 

KOMPRENPOVO

 

“Mi ĉiam suspektas pri tiuj homoj, kiuj volas savi la mondon.”

Tiu frazo, pafita de unu el tiuj homoj en la televido, kiuj scias ĉion, en ironia kaj aroganta tono, kaŭzis al mi malkonforton. Kiel do? La mondo estas renversita, kaj li krome kritikas tiujn, kiuj klopodas plibonigi ĝin? Kiel li povas juĝi la intencojn de iu, kiu batalas por plibonigi nian konfuzan planedon?

Mi ĉiam simpatiis al la utopia idealismo. Sed mi dum pluraj tagoj plu pensadis pri al frazo de la pretendema artisto de scio.

Ĝis venis al mi ondo da konsideroj. Eble li pravas. Al neniu, individue, estas donita la povo savi la mondon. Se la mondo efektive estas savebla, tio ne estos faro de unu homo, sed de la tuta homkumunumo. Se iu tion aŭdacas fari, eble fakte oni devas suspekti: ĉu naiva ĉiopoveco? ĉu eventuale ia kaŝita fiintenco, por propra profito? La maksimumo, kiun oni rajtas esperi de iu bonintenculo estas kontribuo al la plibonigo de la mondo, kiel iu, kiu aldonas etan brikon por la konstruo de katedralo. 

Mi ŝanĝis mian ideon kaj fine mi konsentis kun la antipatia televida saĝulo.

Sed miaj pensoj ne ĉesis. Kial mi rifuzis la ideon, unuamomente - ideon, kiu nun aperas al mi tute klara? Ĉar ĝi estis dirita en ironia, aroganta tono. Tio igis min forpuŝi ĝin! Kia terura mispaŝo! La antipatio de la dirinto igis min rifuzi la verecon en la frazo. Ankoraŭfoje, emocio subpremis racion. 

Mi komentis tiun okazon kun mia frato (ĉi tiu ja estas neskuebla raciulo), kaj li proponis la jenan demandon: “Kion vi preferas: antipatian ulon, kiu diras la veron, aŭ agrablan simpatiulon, kiu ĝin tordas?”

Mi tuj respondis: mi preferas iun, kiu ĝin prezentu al mi klare kaj sobre. Dum mi klopodas plibonigi mian etan komprenpovon.