sábado, 26 de setembro de 2020

Um momento de felicidade

 

 
Julia Sigmond (1929-2020)

 

A revista Kontakto, publicação cultural da Juventude Esperantista Mundial, convida seus leitores a enviar textos para uma nova seção: “Quando você foi mais feliz na vida?”. A ideia não é nova, mas trazida de volta muito a propósito. Rogener Pavinski, o redator da ótima  Kontakto, quer homenagear a escritora Julia Sigmond, que por sua vez foi redatora da revista Bazaro, editada na Romênia, entre 1997 e 2009, também em Esperanto. Na época, Julia Sigmond instituiu a seção “Quando você foi mais feliz na vida?”, com grande sucesso.

Julia faleceu aos 91 anos de idade, em março de 2020, de Covid-19, depois de uma vida de valiosas contribuições culturais ao Esperanto.

A pergunta é singela: quando você foi mais feliz? Note-se a poesia que ela esconde. Indaga-se  da “maior felicidade na vida”. Pede-se ao convidado a impossível tarefa de medir as felicidades de cada momento, a fim de destacar a maior. No entanto, trata-se de um sentimento imensurável. Não se trata de uma competição, em que um determinado episódio ganharia o ridículo pódio. Pede-se apenas que se relate um instante de verdadeira felicidade.

Fico pois tentado a enviar o meu relato. Pode ser sobre aquele dia em que um passarinho me saudou pessoalmente durante um passeio no quintal. Ou aqueloutro, quando de uma caminhada à beira-mar, em meio a respingos de sal, com gaivotas por sobre a cabeça. Talvez escolha o primeiro dia de aula do curso de Esperanto, que frequentei aos 12 anos de idade. Possivelmente o instante de beber um copo de água fresca, quando a sede era extrema. Ou quando vi Lisboa pela primeira vez. Ou, quando ouvi, ainda criança, pela primeira vez, a Alla Turca de Mozart.

São muitos momentos, e tomar consciência disso já faz bem.

Está decidido: vou enviar à Kontakto um pequeno relato sobre a manhã de hoje, quando deparei, lá fora, com o céu mais azul e fresco que pode haver, a me convocar para um passeio de bicicleta.

 

 

Momento de feliĉo

 

La revuo Kontakto, kultura publikaĵo de Tutmonda Esperantista Junulara Organizo, invitis siajn legantojn sendi tekstojn al nova rubriko: “Kiam vi estis plej feliĉa en la vivo?” La ideo ne estas nova, sed realportita tute oportune.  Rogener Pavinski, la redaktoro de la bonega Kontakto, volas omaĝi la verkistinon Julia Sigmond, kiu siavice estis redaktoro de la revuo Bazaro, eldonita en Rumanujo inter la jaroj 1997 kaj 2009, ankaŭ en Esperanto. Tiutempe, Julia Sigmond starigis la rubrikon “Kiam vi estis plej feliĉa en la vivo?”, kun granda sukceso.

Julia forpasis je sia 91-a aĝojaro, en marto 2020, kaŭze de Kovim-19, post tuta vivo da valoraj kulturaj kontribuaĵoj al Esperanto.

La demando estas simpla: kiam vi estis plej feliĉa? Oni rimarku la poeziecon kaŝitan en ĝi. Oni demandas pri “la plej granda feliĉo en la vivo”. Oni petas de la invitito la neeblan taskon mezuri la feliĉojn de ĉiu momento, por elstarigi la plej grandan. Tamen, temas pri nemezurebla sento. Ne temas pri konkuro, en kiu unu determinita epizodo gajnus ridindan lokon sur la podio. Oni nur petas, ke oni rakontu pri momento de vera feliĉo.

 Mi do havas la tenton sendi mian rakonton. Povas esti pri tiu tago, kiam birdeto persone salutis min dum mia promeneto en la hejma korto. Aŭ tiu alia, kiam mi promenis marborde, meze de gutoj da sala akvo, kun mevoj super mia kapo. Eble mi elektos la unuan tagon de mia Esperanto-kurso, kiam mi estis 12-jaraĝa. Same pri la momento, kiam mi trinkis glason da freŝa akvo, kiam la soifo estis ekstrema. Aŭ kiam mi vidis Lisbonon je la unua fojo. Aŭ, kiam mi, ankoraŭ infano, aŭskultis unuafoje la Alla Turca, de Mozart.

Ili estas multaj momentoj, kaj ekkonscii pri tio jam estas tre komfortige.

Decidite: mi sendos al Kontakto etan rakonton pri la hodiaŭa mateno, kiam mi ekvidis, ekstere, la plej bluan kaj freŝan  ĉielon, min alvokantan al bicikla promeno.


quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Sôfrego

 

                                                                                        PSV -  Itatiaia, 2016

 

 

Hoje é quinta, dia de ir ver os velhos do abrigo. Antes de tudo, fui preencher os papéis. Muitos papeis tediosos, receitas, atestados, pedidos de exames, resultados de exames. A enfermeira ia me passando as folhas, eu ia anotando. O pensamento esvoaçava, às vezes, por sobre a burocracia. Lá fora o céu era azul e quente. Enquanto anotava, percebia um zumbido no ar. Uma espécie de ladainha, um resmungo contínuo e monótono. Um choramingo.

- Me dá!... me dá, logo!... venha!... por que a demora?... venha cá!...

A voz era monocórdia e nasal, pouco intensa mas o bastante para atravessar a janela. Olhei. Era um velho, no pátio do abrigo, sentado numa cadeira de rodas, ao sol que às 10 da manhã já não vibrava muito amistoso.

- Me dá!... Vem cá!... Venha!....

- O que ele quer? – perguntei à enfermeira.

- Não liga, doutor, ele chama o dia inteiro.

E prosseguia a litania. Ergui-me da cadeira e fui ver. Era um velho cego, surdo, demente. Desligado do mundo, lamuriando insensatez e delírio, a conversar com figuras imaginárias de um passado ignoto. Não falava consigo mesmo, falava com seus fantasmas, desconexo.

Aproximei-me e toquei o ombro. Ele ergueu a cabeça querendo entender. Gritei junto ao ouvido:

- Que deseja?!

- Pode abrir esta garrafa? Eu não consigo.

Só então notei que ele segurava uma garrafa de plástico, cheia de água. Abri a garrafa, percebendo que o conteúdo, ao sol, estava morno. E devolvi. Ele bebeu, trêmulo, ávido, sôfrego, quase todo o líquido. Fechei de novo a garrafa, que ele manteve junto ao corpo. E murmurou:

- Ô água boa!...

 

 

 

SOIFO

 

Hodiaŭ estas ĵaŭdo, tago por viziti la maljunulojn en la azilo. Antaŭ ĉio, mi komencis skribi la paperojn. Multajn enuigajn paperojn, receptojn, atestilojn, rezultojn de laboratoriaj ekzamenoj, petojn de laboratoriaj ekzamenoj.  La flegistino donadis al mi la foliojn, mi notadis. Mia penso ekflugis, foje, super la burokrataĵo . Tie ekstere, la ĉielo estis blua kaj varma. Dum mi skribis, mi perceptis zumadon en la aero. Tio estis speco de litanio, ia kontinua murmurado monotona. Ia ploretado.

- Donu!... donu tuj!... venu ĉi tien!... kial vi prokrastas?... venu ĉi tien!...

La voĉo estis unutona kaj nazeca, malforta, sed sufiĉa por trairi la fenestron. Mi rigardis. Tio estis maljunulo, meze de la azila korto, sidanta sur rulseĝo, sub suno je la 10-a matene, jam ne tre amika suno.

- Donu!... venu!... venu ĉi tien!...

- Kion li volas? - mi demandis la flegistinon.

- Ne zorgu, doktoro, li vokas dum la tuta tago.

Kaj daŭris la litanio. Mi stariĝis kaj venis tien. Li estis blinda, surda, demenca maljunulo. For de la mondo, ploretanta sensence kaj delire, konversanta kun imagaj figuroj el nekonata pasinteco. Li ne parolis al si mem, sed al siaj fantomoj, miskonekta.

Mi alproksimiĝis kaj tuŝis lian ŝultron. Li levis la kapon, dezirante kompreni. Mi kriis apud lia orelo:

- Kion vi volas?!

- Ĉu vi bonvolus malfermi ĉi tiun botelon? Mi ne sukcesas.

Nur tiam mi rimarkis, ke li havas en la mano plastan botelon kun akvo. Mi malfermis la botelon, konstatante, ke la enhavo, sub la suno, estas varmeta. Kaj mi redonis ĝin. Li trinkis, tremante, avide, soifege, preskaŭ la tutan likvaĵon.  Mi refermis la botelon, kaj li ĝin konservis premita al sia korpo. Kaj li murmuris:

- Ho kia bongusta akvo!...

terça-feira, 8 de setembro de 2020

Concessão

 

                                                                                    PSV - Cabo Frio, 2018

 

    É quando eu penso o poema

    que o poema vai embora,

    e quando eu busco algum tema

    é que o tema fica fora.

 

    Não gosta de tema a poesia,

    mas de livre campo aberto,

    de sol, lua e ventania,

    a fugir de errado e certo.

 

    No máximo, ela concede,

    em noite de lua nova,

    se merece quem o pede,

    certo perfume na trova...

 

 

 

    Koncedo

 

    Se mi pripensas poemon,

    la poemo malaperas,

    kaj se mi priserĉas temon,

    ŝajnas, ke temoj malveras.

 

    Ne plaĉas al poezio

    temo, sed kampo, libero,

    vento, suno, luno, ĉio,

    kio vivas trans la vero.

 

    Tamen, foje, ĝi liveras,

    sub mistera luna lumo,

    se la poeto sinceras,

    iom da versa parfumo...

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

MISTURA

 

PSV - Set. 2020
 
 

 

Carlos era mais sabido, mais esperto, matreiro. Naquele tempo, eu o respeitava muito. Embora fôssemos amigos, era mais respeito que estima. Ele tinha onze anos, eu nove. Ele me vencia em tudo: futebol, gude, pipa, bicicleta. (Eu nem tinha bicicleta, minha mãe tinha medo.) Eu só ganhava em leitura, eu já lia livro, ele só revistinha em quadrinhos. Mas isso não era jogo.  Por sinal que ele desenhava bem, fazia umas caricaturas engraçadas. Eu era uma negação em desenho. Às vezes ele aparecia com umas revistas de mulher pelada, sem a menor vergonha. Eu aproveitava para olhar.

Carlos não era de estudar. Eu não entendia aquilo, ele tão inteligente e mal tirava notas para passar de ano. Certa vez ele me ensinou como fazer cola para as provas. Ele escrevia o que não tinha aprendido sobre minúsculos pedacinhos de papel, enrolados em cilindros quase invisíveis. Achei bobagem. Era mais fácil estudar e aprender do que fazer aqueles ridículos rolinhos de papel.  Se bem me lembro, ele chegou a repetir um ano. Eu, nem pensar em repetir e ter que encarar meus pais, depois.

Jogávamos com frequência um certo jogo de tabuleiro, em que os contendores vão progredindo por casas numeradas, de acordo com números indicados pelos dados. No percurso, algumas casas dificultavam a progressão, outras premiavam o jogador com avanços decisivos. Carlos sempre vencia, numa habilidade que eu não conseguia entender: se a progressão, em última análise, era determinada pelos dados, como era possível que ele sempre ganhasse? A dúvida me mantinha no jogo, mesmo sendo sempre o perdedor, a ver se atinava com o segredo. Meu amigo, ao contrário, jogava e se divertia, risonho e atrevido.

Um dia, de repente, deixamos de ser amigos. Melhor dizendo, eu me afastei de Carlos.

Era uma manhã de domingo, fomos dar uma volta na praça. Rodamos por ali, e paramos para olhar a banca de jornal. O dono da banca costumava espalhar  prateleiras em volta, com revistas, livros, jornais. Os fregueses se postavam em pequenos grupos para ler as manchetes, folhear alguma revista. Alguns compravam, outros devolviam o exemplar à prateleira.

Carlos se enfiou no meio daqueles homens e me sussurrou:

- Quer ver uma coisa?

Fui com ele, curioso, a ver o que o menino inventava. Ele foi se aproximando de uma extremidade da banca, uma ponta de prateleira, pegou uma revista, fez que folheava, sempre olhando em torno. De repente, escondeu a revista embaixo da camisa. Acho que arregalei os olhos e quase estraguei a manobra. Em caso de flagrante, estando junto, eu seria acusado de participar. Saímos dali separados e nos reencontramos num canto afastado da praça.

Carlos ria e se vangloriava. Quis me mostrar a revista. Demonstrei indiferença, mudei de assunto, falei que precisava voltar para casa. Ele ficou folheando aquelas páginas perigosas, eu fui saindo, nem me despedi.

Nunca mais quis ser amigo de Carlos. Mistura de medo com inveja, hoje eu sei.

 

 

MIKSAĴO

 

Karlo estis pli inteligenta, pli lerta, ruza. Tiam, mi tre respektis lin. Kvankam ni estis amikoj, tio estis pli da respekto ol da estimo. Li estis dek-unu-jara, mi naŭjara. Li venkis min en ĉia ludo: futbalo, vitroglobetoj, kajto, biciklo. (Mi eĉ ne havis biciklon, mia patrino timis biciklon.) Mi nur venkis en legado, mi jam legis librojn, li nur bildhistoriajn revuojn. Sed tio ĉi ne estis ludo. Cetere, li bone povis desegni, li faris amuzajn karikaturojn. Mi estis nulo en desegnado.  De tempo al tempo li aperis kun revuoj montrantaj nudajn virinojn, tute senhonte. Mi kaptis la okazon por iom rigardi.

Karlo ne emis studi. Mi ne komprenis tion, li estis ja tre inteligenta, kaj apenaŭ atingis poentojn por progresi al la sekva studjaro. Unu fojon li instruis al mi kiel fari notojn por kaŝa konsultado dum la ekzamenoj. Li skribis tion, kion li ne lernis, sur etaj paperpecoj, kiujn li faldis en preskaŭ nevideblajn cilindrojn. Mi opiniis, ke tio estas stultaĵo. Estis pli facile studi kaj lerni ol konstrui tiujn ridindajn paperajn rulaĵetojn. Se mi bone memoras, li eĉ devis ripeti unu lernojaron.  Mi eĉ ne povus konjekti pri ripeto, ĉar kiel alfronti la gepatrojn, poste?

Ni ofte ludis ian tabulan ludon, laŭ kiu la konkurantoj antaŭeniras sur numeritaj sinsekvaj kvadratetoj, laŭ indikoj de ĵetkuboj. Dum la irado, iuj kvadratoj malfaciligis la progresadon, aliaj premiis la ludanton per decidaj antaŭensaltoj. Karlo ĉiam venkis, per lerteco, kiun mi ne sukcesis kompreni: se la progresado fine estis determinita per la ĵetkuboj, kiel estis eble, ke li ĉiam venkis? Tiu dubo konservadis min en la ludo, malgraŭ ke mi estis la ĉiama venkito, ĉar mi klopodadis trovi la sekreton. Male, mia amiko ludis kaj amuziĝis, ride kaj aŭdace.

Unu tagon, subite, ni ne plu estis amikoj. Se paroli pli klare, mi disiĝis de Karlo. Tiu estis dimanĉo, matene, ni venis promeni en la placo. Ni iom vagis tie, kaj ni haltis por rigardi la ĵurnalbudon. La posedanto de la budo kutimis dismeti bretojn ĉirkaŭe, kun revuoj, libroj, ĵurnaloj. La klientoj staradis je negrandaj grupoj por legi la ĉefajn noticojn aŭ foliumi iun revuon. Kelkaj aĉetis, aliaj remetis la ekzempleron sur la breton.

Karlo enpuŝis sin inter tiuj viroj kaj murmuris al mi:

- Ĉu vi volas vidi ion?

Mi iris kun li, scivoleme, por vidi kion la knabo inventos. Li iom post iom alproksimiĝis al unu flanko de la budo, al ekstremaĵo de breto, prenis revuon kaj ŝajnigis foliumadon, ĉiam ĉirkaŭrigardante. Subite, li kaŝis la revuon sub sian ĉemizon. Mi pensas, ke mi malfermegis la okulojn, kaj preskaŭ fuŝis la tutan manovron. Se iu perceptus la ŝtelon, mi estus akuzita kiel kunkrimulo, ĉar mi estis kun li. Ni foriris je certa distanco unu de la alia, kaj ni rerenkontiĝis sur fora angulo de la placo.

Karlo ridis kaj sin gloris. Li emis montri al mi la revuon. Mi esprimis indiferenton, mi parolis pri aliaj aferoj, mi diris, ke mi devas reveni hejmen. Li tie restis, foliumante tiujn danĝerajn paĝojn, kaj mi foriris, sen adiaŭo.

Mi ne plu emis esti amiko de Karlo. Miksaĵo de timo kaj envio, nun mi scias.


terça-feira, 1 de setembro de 2020

ELEGIA

 

PSV - Set. 2020



Elegia

 

Cecília Meirelles

 

Neste mês, as cigarras cantam

e os trovões caminham por cima da terra,

agarrados ao sol.

Neste mês, ao cair da tarde, a chuva corre pelas montanhas,

e depois a noite é mais clara,

e o canto dos grilos faz palpitar o cheiro molhado do chão.

 

Mas tudo é inútil,

porque os teus ouvidos estão como conchas vazias,

e a tua narina imóvel

não recebe mais notícias

do mundo que circula no vento.

 

 

 

Elegio

 

Cecília Meirelles

 

Ĉi-monate, cikadoj kantas

kaj tondroj iras super la tero,

alkroĉitaj al suno.

Ĉi-monate, kiam la suno subiras, pluvo fluas sur montaroj,

kaj poste la nokto estas pli hela,

kaj la kanto de griloj tremigas la humidan odoron surgrunde.

 

Sed estas ĉio senutila,

ĉar viaj oreloj estas nun kvazaŭ malplenaj konkoj,

kaj via senmova nazo

jam ne ricevas informojn

pri la mondo, kiu rondiras en la vento.