Foto PSV - 2018
Admoesta-me um sujeito, a dizer
que eu devia fiar em mim, um tanto mais,
e que ao não o fazer, perco um pedaço de lugar no mundo.
Por que misteriosa razão
haveria eu de fiar em mim, um pouco que fosse?
Eu, que confundo aurora e ocaso,
maré e luar,
silêncio e melancolia,
chuva e pranto,
amor e lamento,
cansaço e tédio.
Se não distingo sequer o remoto ladrar de um cão,
o ar da estação que se transmuda,
o advento das colheitas,
o devido valor de um verso.
Mal suporto o olhar dos mendigos,
não decifro as crianças,
os velhos,
os homens mesquinhos,
os generosos,
a ternura das mães,
o fervor dos idealistas.
Espanta-me o enigma da música,
das esculturas,
da linha da montanha que se traça ao crepúsculo,
da leve dança dos ramos ao vento.
Eu, que ainda não me pacifiquei com as palavras,
que lugar jamais conquistado, no mundo, poderia perder?
O sujeito a me admoestar,
e que nada sabe de mim,
sou mesmo eu.
Riproĉo
Viro riproĉas min, dirante
ke mi devus fidi min iom pli,
kaj ke ne farante tion, mi perdas pecon de loko en la mondo.
Pro kia mistera kialo
mi devus fidi min, eĉ se nur iom?
Mi, kiu konfuzas aŭroron kun sunsubiro,
tajdon kun lunlumo,
silenton kun melankolio,
pluvon kun ploro,
amon kun lamento,
lacon kun tedo.
Se mi ne distingas eĉ la foran bojadon de hundo,
la aeron de sezono transiranta,
la alvenon de rikoltoj,
la ĝustan valoron de verso.
Mi apenaŭ eltenas la rigardon de almozuloj,
mi ne deĉifras infanojn,
maljunulojn,
egoistojn,
grandanimulojn,
la teneron de patrinoj,
la fervoron de idealistoj.
Mirigas min la enigmo de muziko,
de skulptaĵoj,
de la linio de montaro, kiu montriĝas dum krepusko,
de la leĝera danco de branĉoj en vento.
Mi, kiu ankoraŭ ne paciĝis kun vortoj,
kian konkeritan lokon, en la mondo, mi povus perdi?
La viro min riproĉanta,
kiu nenion scias pri mi,
estas mem mi.
Via belega kaj rafinita poemo memorigis al mi pri la famkonata poemo "La tabakvendejo"/ "Tabacaria" de Fernando Pessoa (Álvaro de Campos). Gratulon, Poeto!
ResponderExcluirA vida é tão cheia de enigmas!..
ResponderExcluirO superego do homem é severo. Belíssimo poema!"Da linha da montanha que se traça ao crepúsculo" é um verso magistral!!!
ResponderExcluirBelegaj vortoj... Mi tre sxatis!
ResponderExcluirSe tu, sábio, pessoa de cultura, que buscas outras linguagens e tens a alma alvejada pela perda de um pedaço de ti, que se foi, admoesta-se? Prova mais contundente dos fortes a seguir vivendo, não sabe de si? Resta em mim horror em me manter respirando, pois também fio-me pouco e não encontro lugar no mundo que me possa encantar, que dirá sentir que o perdi! Lindo o poema!
ResponderExcluirQue maravilha, Paulo. Não se pacifique, então.
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