quinta-feira, 24 de outubro de 2024

da última prateleira da estante

 

PSV out 2024

 

 

Da última prateleira da estante,

o livro me olhou com alguma nostalgia.

Acudi ao chamado

e me pus a folhear, distraído,

velhos versos vestidos de vago passado,

escapados da memória.

Num recanto de poesia,

dormitava uma folha de plátano,

amarelada pelo tempo.

Num último suspiro, ela murmurou, quase inaudível:

- Não se lembra? Era primavera!...

 

 

De sur la lasta breto en la ŝranko,

la libro rigardis min iom nostalgie.

Mi akceptis la alvokon,

kaj komencis foliumi, senatente,

antikvajn versojn vestitajn per svaga pasinteco,

eskapintajn el la memoro.

En angulo de poezio,

dormetis folio de platano,

flaviĝinta pro la tempo.

Per lasta spiro, ĝi murmuris, preskaŭ neaŭdeble:

- Ĉu vi ne memoras? Estis printempo!...

domingo, 20 de outubro de 2024

depressão pós-parto... em homens!

    

 
 

A gente não pensa nisso, mas 10 % dos homens sofrem de depressão pós-parto, mundo afora. Daqui a alguns dias a “Esperanta Ret-Radio” publica um texto um pouco mais extenso sobre o assunto: http://esperantaretradio.blogspot.com/ .

A pesquisa saiu na medscape.com, de autoria de um cientista paquistanês que trabalha no Canadá. Em seu país de origem, uma sociedade tradicionalmente patriarcal, a incidência desse distúrbio chega a mais de 20 %. Provavelmente por repressão dos sentimentos dos homens. Estes, uma vez tratados (por métodos semelhantes aos que se aplicam às mulheres), apresentam altos índices de cura. Além disso, seus filhos se beneficiam muito disso. Assim, o Paquistão planeja ampliar o atendimento a essa população específica. O exemplo deveria ser seguido por outros países.

Faz pensar sobre os papéis que cumprimos no complexo processo de convivência humana. Ser homem, ser mulher; ser pai, ser mãe; ser forte, ser frágil; ser flexível, ser rígido. Ser, não ser.

Tudo é educação.

 

postakuŝa depresio... en viroj!

 

Oni ne ofte pensas pri tio, sed 10% el la viroj suferas de post-akuŝa deoresio, tra la tuta mondo. Post kelkaj tagoj la “Esperanta Ret-Radio” publikigos iom pli ampleksan tekston pri tiu temo: http://esperantaretradio.blogspot.com/ .

Tiu esploro publikiĝis en medscape.com, kaj la aŭtoro estas pakistana sciencisto, kiu laboras en Kanado. En lia devenlando, ia socio tradicie patriarkeca, la kvanto da suferantoj de tiu malsano atingas pli ol 20%. Probable pro rifuzo de viraj sentoj. Kiam ĉi tiuj estas flegitaj (per metodoj similaj al tiuj, kiujn oni uzas por virinoj), tiam ili prezentas altajn nivelojn de resaniĝo. Krome, iliaj infanoj tre multe gajnas de tio. Sekve, Pakistano planas pliampleksigi la flegadon al tiu specifa loĝantaro. La ekzemplon devus sekvi aliaj landoj.

Ĉi tio pensigas nin pri la roloj, kiujn ni plenumas en la komplika proceso de homa kunvivado. Esti viro, esti virino; esti patro, esti patrino; esti forta, esti fragila; esti fleksebla, esti rigida. Esti, ne esti.

Ĉio dependas de edukado.

terça-feira, 15 de outubro de 2024

um fim de semana longevo

 




Um fim de semana longevo. Fui ver o 50º filme de Woody Allen (88 anos) e a peça de Othon Bastos (92 anos) no palco. Eloquentes expressões de pura arte, a sorrir do etarismo bobo que anda por aí.

“Um golpe de sorte em Paris”, falado em francês, mesmo não sendo o melhor filme do americano, dá gosto assistir. Hora e meia de narrativa limpa, fluida, sofisticada em sua simplicidade aparente. A trilha sonora, sempre jazzística, é um encanto de leveza, a contrastar com as cenas de um marido tresloucado que afaga a própria sandice brincando com um trenzinho elétrico. Enquanto o Acaso, esse personagem obsessivo na obra de Allen, conduz a vida real.

Othon Bastos, por sua vez, conta a própria vida, com a mesma paixão com que a viveu: “Não me entrego, não!”  Ri, chora, grita, murmura, dança, tira e põe o paletó como quem resiste, de fato. Faz o público chorar, gargalhar, aplaudir e silenciar, com a respiração presa e um nó na garganta. Poucas vezes vi teatro em tamanho estado de pureza e grandeza. Fico com muita pena de quem não viu.

A Arte é um sopro fresco na alma.

 

altaĝa semajnfino

 

Altaĝa semajnfino. Mi spektis la 50-an filmon de Woody Allen (88-jaraĝa) kaj la teatraĵon de Othon Baston (92-jaraĝa). Elokventaj esprimoj de pura arto, kiu ridetas pri la stultaj aĝo-antaŭjuĝoj, foje troveblaj tie kaj tie.

“Hazardo en Parizo”, parolata en la franca lingvo, eĉ se ne la plej bona filmo de la usonano, estas plezuriga spektaĵo. Unu horo kaj duono da rakonto pura, flua, rafinita en ŝajna simpleco. La muzika akompano, ĉiam ĵaza, estas ĉarme leĝera, kontraste al la scenoj pri freneza edzo, kiu karesas sian propran frenezecon per ludado per elektra ludotrajneto.  Dum la Hazardo, tiu obseda figuro en la verkaro de Allen, kondukas la realan vivon.

Othon Bastos siavice rakontas sian propran vivon, kun la sama pasio, kiel li ĝin travivis: “Mi ne kapitulacas!”. Li ridas, ploras, krias, susuras, dancas, forprenas kaj resurmetas la palton, kiel homo rezistanta, fakte. Li igas la publikon plori, ridegi, aplaŭdi kaj silenti, kun spirhaltoj kaj premo en la gorĝo. Malofte mi vidis teatron en tia stato de pureco kaj grandeco.  Mi tre kompatas tiujn, kiuj ne vidis ĝin.

Arto estas ia blovo de freŝeco en la animon.

quinta-feira, 3 de outubro de 2024

sobre a (in)felicidade

 

PSV 0ut 2024
 
 
 

Leio na primeira página do jornal que um empresário chinês decidiu conceder aos seus empregados uma certa “licença infelicidade”. O direito a faltar ao trabalho, algumas vezes por ano, por estar passando por um momento de infelicidade. Fico a imaginar como lhe sobreveio a ideia. Talvez de um diálogo singelo com seu trabalhador:

- Por que faltaste ontem ao trabalho, meu jovem?

- Eu estava muito triste, meu patrão.

- Ah, lamento. Pode-se saber por que?

- Pode-se, mas não importa. Todo mundo fica triste de vez em quando.

Silêncio.

O patrão:

- Pois é justo. Trabalhar em estado de infelicidade infelicita o trabalhador e o fruto do trabalho. E isso acontece de tempos em tempos, por ser da natureza humana. Que os meus trabalhadores permaneçam em casa, nesses dias sombrios, até que se lhes reacenda uma luz no espírito. É justo.

Fico eu a cogitar se o chinês será mais infeliz que o brasileiro, o guatemalteco ou o marroquino. Ou o hindu, o tcheco, o indonésio. Se seria o caso de medir a infelicidade dos povos, do mesmo modo como se mede a sua felicidade – para destaque dos escandinavos, campeões da modalidade.

Acho que não. A felicidade talvez se possa medir; a infelicidade é sempre imensurável.  

 

pri (mal)feliĉo

 

Mi legis sur la unua paĝo de ĵurnalo, ke ĉina entreprenisto decidis permesi al siaj dungitoj ian “forpermeson pro malfeliĉo’ Nome, la rajton manki en la laboro, kelkfoje dum la jaro, se ili trapasas momenton de malfeliĉo. Mi imagas, kiel  venis al lia kapo tiu ideo. Eble tio estis simpla dialogo kun lia laboristo:

— Kial vi ne ĉeestis hieraŭ en la laborejo, kara junulo?

— Mi estis malĝoja, mia mastro.

— Ho mi bedaŭras. Ĉu oni povas scii, kial?

— Oni povas, sed tio ne gravas. Ĉiu homo malĝojiĝas, foje.

Silento.

La mastro:

— Nu, estas juste. Labori en stato de malfeliĉo malfeliĉigas la laboriston kaj la frukton de lia laboro. Kaj tio okazas, de tempo al tempo, ĉar ĝi estas la homa naturo. Miaj laboristoj restu hejme, dum tiuj ombraj tagoj, ĝis lumo revekiĝas en ilia spirito. Estas juste.

Mi konjektas, ĉu ĉinoj estas pli malfeliĉaj ol brazilanoj, gvatemalanoj, aŭ marokanoj. Aŭ hindoj, ĉeĥoj, indonezianoj. Ĉu indus mezuri la malfeiĉecon de popoloj, same kiel oni mezuras ilian feliĉon — en ĉi tio elstaras skandinavoj, ĉampionoj en tiu fako.

Mi supozas, ke ne. Feliĉon eble oni povas mezuri; malfeliĉo estas ĉiam nemezurebla.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

o menino e o ipê

 
PSV set 2024

Não longe daqui
 

há um menino que gosta de ipês.

 

De sua alta janela, pincela cores,

 

inventa perfumes,
 

espalha pelos campos os alegres buquês coloridos.

 

Os pássaros adejam versos à roda dele,

 

as nuvens o acariciam com fresca umidade,

 

o vento canta para ele em calmo silêncio.

 

O menino paira.

 

O mundo está salvo.

 

 

 

Ne for de ĉi tie

 

estas knabo, kiu amas ipeojn*.

 

De sia alta fenestro li strekas kolorojn,

 

inventas parfumojn,

 

dismetas tra la kampojn gajajn kolorajn bukedojn.

 

Birdoj flugigas versojn ĉirkaŭ li,

 

nuboj lin karesas per  freŝa  humido,

 

vento kantas al li en trankvila silento.

 

La knabo ŝvebas.

 

La mondo estas savita.

 

*Ipeo:  arbo ofte trovebla en Brazilo (Handroanthus impetiginosus).



domingo, 1 de setembro de 2024

metamorfose

PSV set 2024
 

 



Um bom amigo, a certa altura, decidiu mostrar-lhe um erro. Ele o cometera havia muitos anos mas, como se sabe, o tempo não apaga os erros, ao contrário da memória, que luta por sepultá-los. Ele de fato cometera aquele erro, por mais mais incômodo que fosse reconhecê-lo. A primeira reação é sempre a justificativa. 

— Mas eu tive motivos... fiz aquilo porque...

Além de não abrandar a alma, as justificativas vão causando um constante remoer do passado, uma ruminação obsessiva, cujo único resultado costuma ser uma curiosa, dolorosa metamorfose. Não que o erro se transforme em inseto, mas em algo pior: em culpa. Seu erro, tantos anos decorridos, agora se arvorava em culpa, em dorida culpa. Desceu ao porão da infância, com seus labirintos, para vestir a túnica pesada do remorso. Com o reconhecimento do erro, ele ainda poderia aprender alguma coisa; com a culpa, só lhe cabia gemer.

...

Vagou algum tempo nessa espécie de subterrâneo da alma, até que uma tênue luz o ajudou a voltar ao rés-do-chão de sua vida mental. Essa luz era simplesmente um pensamento claro e sincero:

— Errei mesmo!  Estupidamente! Lamento muito. Se puder remendar, estou pronto. Espero errar menos, a partir de agora. Peço desculpa.

...

E aqui se encontra ele, de novo, na superfície incerta do mundo, às voltas com suas escolhas, até o último dos dias.  

 

 

metamorfozo

 

Alvenis momento, kiam bona amiko decidis montri al li misfaron. Li estis aginta mise, antaŭ multaj jaroj, sed oni scias, ke la tempo ne forviŝas misfarojn, male ol la memoro, kiu strebas ilin sepulti. Li efektive estis plenuminta tiun earon, eĉ se tre malkomforte estis rekoni tion. Lia unua reago estis provo sin pravigi.

— Sed mi havis kialojn... mi tion faris, ĉar...

Krom ne mildigi la animsenton, pravigoj iom post iom kaŭzas konstantan revenadon al la pasinteco, ian obsedan remaĉadon, kies sola rezulto kutime estas kurioza, dolora metamorfozo. La misfaro ja ne transformiĝas en insekton, sed en ion eĉ pli malbonan: en kulpon. Lia eraro, post tiom da jaroj, nun aplombis kiel kulpo, dolora kulpo. Li descendis al la subtera etaĝo de infanaĝo, kun ĝiaj labirintoj, por surmeti la pezan mantelon de kulposento. Rekoninte sian misfaron, li ankoraŭ povus lerni ion; ene de kulpo, nur restis al li ĝemado.

...

Dum iom da tempo li vagis en tiu speco de subtera regiono de la animo, ĝis malforta lumo lin helpis reveni al la teretaĝo de sia mensa vivo. Tiu lumo estis simple unu klara, sincera penso:

— Jes, mi eraris! Tute stulte! Mi tre bedaŭras. Se mi povas realĝustigi tion, mi estas preta. Mi esperas malpli ofte misfari, de nun. Mi pardonpetas.

...

Kaj jen li staras denove sur la necerta surfaco de la mondo, okupita per siaj elektoj, ĝis la lasta tago.   


 

terça-feira, 20 de agosto de 2024

madrugadas

 

PSV - 09/2024

 

Nas madrugadas de inverno,

bem-vindo  o toque da coberta macia

que acaricia e conduz

ao sono calmo e ao sonho misterioso.

 

Nas madrugadas de solidão,

bem-vindo o som da palavra suave

que sossega e revela

pensamento claro e sentimento criativo.

 

A palavra agasalha.

 

 

frumatenoj

 

En vintraj frumatenoj,

bonvenon al la tuŝo de mola litkovraĵo,

kiu karesas kaj kondukas

al trankvila dormado kaj al mistera sonĝo.

 

En solecaj frumatenoj,

bonvenon al la sono de milda parolo,

kiu kvietigas kaj montras

klaran penson kaj kreopovan senton.

 

La parolo varmige vestas.


terça-feira, 6 de agosto de 2024

Rebeca do mundo


Rebeca Andrade – eis o nome mais repetido  no país inteiro. Não sem motivo, depois do estupendo desempenho da moça nas Olimpíadas de Paris, neste 2024. Um fenômeno raro, para o qual faltam palavras que ainda não tenham sido ditas. De repente, aquele sorriso luminoso, os movimentos atléticos perfeitos, a figura cativante se tornaram um símbolo. Ela veio de família humilde, filha de mãe heroica e deixou  o mundo a seus pés. Não é pouca coisa.

Rebeca naturalmente causa também uma onda de patriotismo. O Brasil ganha autoestima com ela. Cada brasileiro sente-se presenteado com um fragmento de suas medalhas. É compreensível. Mas fico a pensar comigo que Rebeca Andrade não é apenas um símbolo brasileiro. Ela representa a humanidade. Ultrapassa fronteiras e irmana a todos numa crença de que todos valemos. Ela aumenta a nossa fé no ser humano.

Rebeca Andrade é grande demais para ficar restrita a um só país. Ela é do mundo.

 

Rebeca de la mondo

 

Rebeca Andrade — jen la plej ripetata nomo en la tuta lando. Ne senkiale, post la fantasta faro de la junulino en la Olimpikoj, en Parizo, en ĉi tiu jaro 2024. Rara fenomeno, pri kiu mankas vortoj ankoraŭ ne diritaj. Subite, tiu luma rideto, la perfektaj atletaj movoj, la ĉarma homfiguro fariĝis simbolo. Ŝi devenis de simpla familio, filino de heroa patrino, kaj lasis la mondon ĉe siaj piedoj. Tio ne estas banalaĵo.

Nature, Rebeca kaŭzas ankaŭ ondon de patriotismo. Brazilo gajnas memestimon pro ŝi. Ĉiu brazilano sentas, ke li gajnis kiel donacon  fragmenton el ŝiaj medaloj. Oni povas kompreni tion. Sed mi pensadas kun mi mem, ke Rebeca Andrade ne estas nur brazila simbolo. Ŝi reprezentas la homaron. Ŝi transpasas landlimojn kaj kunfratigas ĉiujn je kredo, ke ni ĉiuj valoras. Ŝi pligrandigas nian fidon pri la homo.

Rebeca Andrade estas tro granda por resti limigita en unu sola lando. Ŝi estas de la mondo.

 

sexta-feira, 19 de julho de 2024

falta de cordialidade

 

PSV jul 2024 
 
 

Saiu o novo relatório sobre a violência no Brasil. Faltam adjetivos para esses números. Um estupro a cada 6 minutos, geralmente de adolescentes, cometido por familiares. Feminicídio em grande quantidade, também dentro de casa, em família; os métodos geralmente são faca ou asfixia. Homicídios continuam atingindo de preferência jovens pobres e pretos. Chega.

Enquanto isso, há estados brasileiros que gastam três vezes mais com (in)segurança do que com educação.

Que tenho eu, modesto cidadão, a ver com isso?

Por onde andará o célebre “homem cordial”, de que falava Sérgio Buarque de Holanda, a respeito do brasileiro?

 

manko de elkora kunsentemo

 

Publikiĝis la nova raporto pri perforto en Brazilo. Mankas adjektivoj por tiuj ciferoj. Po unu seksperforto post ĉiu 6-a minuto, ĝenerale kontraŭ adoleskantinoj, farita de familiano. Virinmurdoj en granda kvanto, ankaŭ en la hejmo; la metodoj estas per tranĉilo aŭ sufokado. Murdoj plu atingadas malriĉajn, nigrahaŭtajn junulojn. Sufiĉas.

Dume, ekzistas brazilaj ŝtatoj, kiuj elspezas trioble pli multe por (mal)sekureco, ol por edukado.

Kiel ĉio tio koncernas min, modestan civitanon?

Kie staras la fama “elkora kunsentema homo”, pri kiu skribis Sérgio Buarque de Holanda, pri la brazilano?