domingo, 26 de fevereiro de 2017

O QUE FAZ UM BOM LIVRO?


Ganhei de um grande amigo um livro curioso, que não vem ao caso nomear.  Ao virar a última página, acudiu-me a pergunta: o que faz um bom livro?
            Devo adiantar que o generoso amigo, dias depois, se desculpou pelo presente, alegando tratar-se, em sua opinião, de um “livro chatíssimo”, que ele abandonou lá pelo quarto capítulo. E recordou um princípio bem estabelecido: “A vida é muito curta para se ler livro ruim”.
            O severo julgamento só me fez espicaçar a curiosidade. Afinal, o autor é conceituadíssimo, quase unanimidade nas letras nacionais,  domina à perfeição a língua, com elegância no estilo e perspicácia no traçado de ideias originais; o tema é do mais alto interesse e a pesquisa histórica, impecável; a edição, se não é luxuosa, é sóbria e agradável.
            Sobram-lhe pois  ingredientes para marcar época e tornar-se um clássico!
            Mas meu amigo tem sua razão. Resulta um livro pesado, monótono, prolixo, repetitivo, em muitas páginas cansativo e até sonífero. O que faltou? O que é necessário para que se produza um bom livro? Vê-se que não bastam um bom tema, o domínio da língua e um autor conceituado.
            O autor se prolonga em repetições e prolixidade inexplicável. Num mesmo (e sempre muito longo) capítulo, misturam-se assuntos desconexos, que exigem verdadeira ginástica mental, na busca de uma sequência coerente. Alguns fatos, que parecem secundários, ocupam páginas intermináveis, em minúcias que terminam em becos sem saída. Certas personagens ocupam destaque excessivo, a empanar a importância de outras, que mereciam mais destaque. Algumas análises literárias e artísticas, inseridas no contexto histórico, são tão subjetivas e imponderáveis que parecem cair das nuvens. Sucumbe-se no desafio de misturar reconstrução de uma época com crítica de arte.
            Faltou costura. Um bom livro precisa de ritmo, coerência, foco. Deve conduzir a leitura por um percurso de conforto mínimo, com partes que se coadunem com um todo apreensível. Não deve ser um quebra-cabeças.
Numa palavra, faltou ao autor pensar no leitor; parece que escreveu para si. É uma obrigação básica de que escreve: tornar a tarefa do leitor agradável, estimulante, fluida, convidativa. Não quer dizer banalidade, quer dizer harmonia. O leitor deve ler como quem passeia, como quem caminha por um jardim, como quem ouve uma sonata de Mozart. Assuntos difíceis e subjetivos devem ser suavizados, na medida do possível, desde que não se perca consistência. Afinal, talvez tenha faltado um editor-revisor com autoridade suficiente para exigir do consagrado autor o uso do famoso lápis vermelho. Cortar, cortar, cortar.  Escrever menos para dizer mais.
De minha parte, não me arrependo de ter persistido e “vencido” as quatrocentas páginas do volume. Consegui peneirar o valor que, apesar de tudo,  se escondia no fundo do livro. E tornar a pensar nesta pergunta que nunca se cala: o que faz um bom livro?


KIO FARAS BONAN LIBRON?

            Mi gajnis de granda amiko kuriozan libron, kies titolon ne necesas eldiri. Kiam mi turnis la lastan paĝon, venis al mi en la kapon demando: kio faras bonan libron?
            Mi devas antaŭe diri, ke la malavara amiko, post kelkaj tagoj, pardonpetis pro la donaco, aldonante, ke temas, liaopinie, pri “tre enuiga libro”, kiun li forlasis post la kvara ĉapitro. Kaj li rememorigis principon firme starigitan: “La vivo estas tro mallonga por ke oni legu malbonajn librojn”.
            La severa juĝo eĉ pli incitis mian scivolemon. Nu, la aŭtoro estas tre respektata, preskaŭ unuanime laŭdata en nialanda beletro, li perfekte regas la lingvon, kun eleganta stilo kaj sagaceco en la elmontrado de originalaj ideoj; la temo estas plej interesa kaj la esplorado de historiaj dokumentoj, senriproĉa; la eldono, se ne luksa, estas sobra kaj agrabla.
            Abundas do ingrediencoj por ke ĝi fariĝu epokfara klasikaĵo!
            Sed mia amiko siaflanke pravas. Rezultis libro peza, monotona, mallakona, ripetema, en multaj paĝoj laciga kaj eĉ dormiga. Kio mankas? Kio estas necesa por ke produktiĝu bona libro? Oni vidas, ke ne sufiĉas bona temo, regado de la lingvo kaj prestiĝa aŭtoro.
            La aŭtoro longigas ripetojn kaj neklarigeblan malkoncizecon. En unu sama (kaj ĉiam tre longa) ĉapitro miksiĝas senkonektaj temoj, kiuj postulas veran mensan gimnastikon, serĉe de kohera sinsekvo. Iuj faktoj, kiuj ŝajnas flankaj, okupas senfinajn paĝojn, pro detaloj, kiuj finiĝas en sakstratoj. Iuj roluloj okupas troan spacon, kaj vualas la gravecon de aliaj, kiuj meritas pli da elstareco. Iuj analizoj literaturaj kaj artaj, enmetitaj en historian kuntekston, estas tiel subjektivaj kaj senkonsistaj, ke ili ŝajnas falintaj el nuboj. Fiaskas la defio miksi rekonstruadon de certa epoko kun artokritiko.
            Mankis kunkudrado. Bona libro bezonas ritmon, koherecon, fokuson. Ĝi devas konduki la legadon laŭ vojo de minimuma komforto, kun partoj, kiuj kongruas kun ia perceptebla tutaĵo. Ĝi ne estu ia puzlo.
Unuvorte, mankis, ke la aŭtoro pensu pri la legonto; ŝajnas, ke li verkis por si mem. Jen baza devo de tiu, kiu verkas: fari la taskon de la leganto agrabla, stimula, flua, invita. Tio ne signifas banalecon, sed harmonion. Leganto devas legi kvazaŭ li promenus, kvazaŭ li iradus en ĝardeno, kvazaŭ li aŭskultus sonaton de Mozart. Malfacilajn, subjektivajn temojn oni mildigu, laŭeble, kondiĉe ke oni ne forperdu konsistecon. Fine, eble mankis eldonisto-revizianto, kun sufiĉe da aŭtoritateco por postuli de la fama aŭtoro la uzon de la konata ruĝa krajono. Forstreki, forstreki, forstredi. Skribi malpli por diri pli.
Miaflanke, mi ne pentas, ke mi obstinis kaj “venkis” la kvarcent paĝojn de la volumo. Mi sukcesis kribri la valoron, kiu spite ĉion kaŝiĝas en la fundo de la libro. Kaj denove pensi pri ĉi tiu demando, kiu neniam ĉesas: kio faras bonan libron?

7 comentários:

  1. Amigo Paulo Sérgio, somente um poeta sensível e erudito escritor, amante das belas letras, poderia ter criado tão encantadora reflexão literária que, creio eu, salvo melhor juízo, tenha sido inspirada pelo filme "O Mestre dos Gênios" [sobre Max Perkins (Colin Firth) e Thomas Wolfe (Jude Law) ]. Parece-me que o referido filme contribuiu para comprovar suas sábias convicções.

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  2. Eu não ousaria tecer qualquer comentário depois das sábias palavras de Nazaré Laroca, sinto-me esmagado entre o belíssimo texto do amigo Paulo Sérgio e a crítica da Nazaré. Gostaria de dizer, morrendo de vergonha, que quando acabei de ler o texto tive a sensação de que seria aplicável à música ou à pintura. Confesso que busquei ávido o arquivo sonoro desse texto na voz do Paulo Sérgio, infelizmente não encontrei, resta-me apenas colocá-lo numa moldura...

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  3. Sua obstinação é um exemplo para todos nós, Paulo...
    Confesso que jamais teria essa paciência franciscana, meu querido amigo.
    Deus o abençoe.

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  4. Nem todo escritor consegue transformar em letras o que lhe corre pelas entranhas. Isso, meu caro Paulo, você realiza com maestria. Seu texto é o contra-exemplo da impressão que o livro lido lhe deixou. Uma suavidade literária com profundidade de conteúdo. Um deleite, enfim.

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  5. A isso dá-se o nome de crítica literária. Hoje, o que temos mais das vezes, são resenhas. Porém, para crítica literária autêntica, faltou o nome do romance que, por elegância, Paulo omitiu. Belíssimo texto, Paulo! Haverá réplica no Louco por cachorros!

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  6. Resume: skribi komplekse kaj tede estas multe pli facile ol simple kaj interese!

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  7. Kio faras bonan libron, jen proza demando. Sed pri kio faras bonan literaturan kritikon eblas lerni per tiu bela poesia esprimo de Paulo Viana! Arta estas la aliro al la temo, arta estas la stilo, arta estas la zorga kaj eleganta kondukado de legantoj per frata mano, per frata vorto. Unuvorte, arto!

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