quarta-feira, 28 de maio de 2014

SAUDADE


Era um homem bom.
Apreciava vinhos, livros
e sorvete de chocolate.
Tinha muitos escrúpulos
e parecia guardar sempre algum sentimento.
Acreditava piamente na vida eterna.
Quando éramos crianças,
levava-nos a passear em São Paulo,
e lá, de mãos dadas,
corríamos desabaladamente pelas calçadas.
“Estão olhando!...”
“Não faz mal, aqui ninguém nos conhece…”
Não o sepultei como devia.
Por vezes ele me visita,
simples sombra suave de saudade.
Era meu pai.

RESOPIRO

Li estis bona homo.
Li ŝatis vinojn, librojn
kaj ĉokoladan glaciaĵon.
Li estis tre skrupulema
kaj ĉiam ŝajnis kaŝi iun senton.
Li firme kredis la eternan vivon.
Kiam ni estis infanoj,
li kondukis nin al promeno en San-Paŭlo,
kaj tie, mano en mano,
ni senbride kuradis sur la trotuaroj.
“Homoj rigardas nin!...”
“Ne gravas, ĉi tie neniu konas nin…”
Mi ne entombigis lin dece.
Foje li vizitas min,
simpla milda ombro resopira.

Li estis mia patro.

A OFICINA


Queria crescer na vida. Alugou um galpãozinho, montou uma oficina de carros.
Precisava escolher um nome para a oficina, lembrou-se de um filme antigo. A história ele já não recordava, mas lhe ficou na memória de menino o nome imponente:  Al Capone. Ficou sendo: “Oficina Al Capone”.
Foi à falência em seis meses.
Passou o ponto a um primo, que deu uma arrumada na oficina e botou a tabuleta: “Oficina São Cristóvão”. Por uns anos, o primo ganhou ali uns bons trocados, estudou dois filhos e se aposentou pelo INSS.


AŬTOMOBILRIPAREJO

Li emis progresi. Li luprenis etan remizon kaj aranĝis aŭtomobilriparejon.
Li devis elekti  nomon por la riparejo, kaj ekmemoris pri antikva filmo. La historion li jam ne havis en la kapo, sed en la memoro de la iama knabo restis impona nomo: Al Capone. Tiel fariĝis: “Aŭtoriparejo Al Capone”.
Li bankrotis post ses monatoj.

Li transdonis la lokon al kuzo, kiu plibonigis la riparejon kaj almetis tabulon: “Aŭtoriparejo Sankta Kristoforo”. Dum jaroj, la kuzo enspezis tie sufiĉe da mono, edukis du idojn kaj pensiiĝis per la registara asekuro.

segunda-feira, 12 de maio de 2014

O BAIRRO DA SAÚDE



O Bairro da Saúde tem ladeiras sérias e compenetradas,
calçadas para se conversar,
padarias onde o pão é antigo
e o café, honesto.
Tem manacás discretos junto à rua,
e um mendigo saído de desenho animado.
O Bairro da Saúde tem orientais de passo leve
e ocidentais de roupa proletária,
 telhados de zinco e de argila,
calmos quintais com pássaros,
esquinas de mistério,
luzes e sombras bem comportadas,
fios pretos de eletricidade democrática.
E sobretudo, o Bairro da Saúde tem uma brisa,
uma doce brisa que me transporta a um tempo antigo,
em que respirar fundo era um prazer simples
e dar bom dia ao vizinho era um jeito bom de começar o dia.


KVARTALO SANO

Kvartalo Sano havas deklivojn seriozajn kaj gravmienajn,
trotuarojn por konversado
panvendejojn, kie la pano estas antikva
kaj  la kafo, honesta.
Ĝi havas diskretajn florantajn arbetojn apud la stratoj,
kaj almozulon, kiu ĵus elvenis el desegnofilmo.
Kvartalo Sano havas orientanojn, kiuj malpeze paŝas
kaj okcidentanojn en proletaj vestoj,
zinkajn kaj argilajn tegmentojn,
trankvilajn domkortojn kun birdoj,
misterajn stratangulojn,
lumojn kaj ombrojn bonkondutajn,
nigrajn dratojn por demokrata elektro.
Kaj precipe, Kvartalo Sano havas venteton,
dolĉan venteton, kiu transportas min en antikvan tempon,
kiam profunde spiri estis simpla plezuro
kaj deziri bonan tagon al najbaro estis bona maniero komenci tagon.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

MULHER DE BRANCO


Num fim de tarde azul,
a passear tanta gente pela larga calçada,
passou uma bonita moça de vestido branco
levando o louro filho ao colo
e no olhar um tanto de felicidade.
Não era mulher, era um tema.
E passou, a passo, a passeio.
E levou consigo o filho e o tema.

BLANKE  VESTITA VIRINO

En blua vesperiĝo,
kiam tiom da homoj promenis laῠ larga trotuaro,
preterpasis bela junulino en blanka robo,
portanta en siaj brakoj  blondan idon
kaj en la okuloj iom da feliĉo.
Tio ne estis virino, ĝi estis temo.
Kaj ŝi pasis, paŝe, promene.
Kaj forportis la idon kaj la temon.

terça-feira, 1 de abril de 2014

ESPERANÇA



Quando eu galgava a montanha, havia no penúltimo patamar um filete de água que nunca secava. Não era potável mas servia para refrescar as mãos e a nuca. Nunca entendi de onde brotava aquela água perene, em pleno estio.
Havia também enormes flores rubras que nasciam da pedra, e um musgo que desenhava no minério obras de arte.
E raros pássaros que apreciam a solidão.
E as nuvens, as silenciosas nuvens parceiras do vento.
Já não galgo a montanha.
Mas recordar a subida traz de volta o afago da esperança.


ESPERO

Kiam mi supreniris la montaron, troviĝis sur la antaῠlasta plataĵo strio el akvo, kiu neniam sekiĝis. Ĝi ne estis trinkebla, sed bone taῠgis por refreŝigi la manojn kaj la nukon. Mi neniam komprenis, el kie venis tiu ĉiama akvo, en plena seksezono.
Troviĝis ankaῠ grandegaj ruĝaj floroj, kiuj naskiĝis sur la ŝtono, kaj muskoj, kiuj desegnis sur la mineralo artverkojn.
Kaj maloftaj birdoj, kiuj amas solecon.
Kaj nuboj, silentaj nuboj, kunuloj de vento.
Mi jam ne supreniras la montaron.

Sed rememori la supreniradon denove alportas la kareson de espero.

segunda-feira, 31 de março de 2014

PROMESSA



Acordou de cara amassada. Acabrunhado, olhou-se no espelho. A boca cheia de espuma grunhiu:
- Hoje eu mudo de vida!
Tomou café, viajou de ônibus, leu jornal, dedilhou teclado.
O dia passou, a noite chegou.
Antes de deitar-se, olhou de novo o espelho.
- E aí?
- Primeiro de abril, primeiro de abril!
(01/04/2014)


PROMESO

Li vekiĝis kun ĉifita vizaĝo. Malfeliĉa, li rigardis sin sur la spegulo. La buŝo ŝaῠmanta grumblis:
- Hodiaῠ mi ŝanĝos mian vivon!
Li trinkis kafon, veturis per buso, legis ĵurnalon, klakis klavaron.
Pasis la tago, alvenis la vespero.
Antaῠ ol enlitiĝi, li denove rigardis la spegulon.
- Do?
- Unua de aprilo, unua de aprilo!

(01/04/2014)

terça-feira, 25 de março de 2014

A DOR



Não há beleza na dor.
Nenhum encanto no sofrimento cruciante.
O horror é negro e fétido.
O pavor,  náusea vertiginosa.
Mão impiedosa  que esgana.
Lâmina que perfura,
lâmina.
E no entanto, do fundo da mais sombria dor,
luz um pensamento,
último piscar da consciência.
E ali permanece, pequena brasa remanescente,
derradeira estrela
antes de nascer o nublado novo dia.
Só virá à tona quando a lente da lágrima contida
o ampliar, a ponto de ser visto, o bastante.
(Se deixamos a lágrima escorrer,
perde-se a lente
e a possibilidade de entrever
um tênue pedaço de verdade.)

DOLORO

Nenia beleco en doloro.
Nenia ĉarmo en turmenta sufero.
Hororo estas nigra kaj fetora.
Timego, vertiĝa naῠzo.
Senindulga mano sufokanta.
Klingo boranta,
klingo.
Kaj tamen, el la fundo de plej profunda doloro,
lumas penso,
lasta palpebrumo de la konscio.
Kaj tie ĝi sidas, eta restanta braĝo,
lasta stelo
antaῠ la naskiĝo de nova nuba tago.
Ĝi montriĝos nur kiam la lenso de larmo retenita
ĝin pligrandigos, ke ĝi estu sufiĉe videbla.
(Se oni lasas, ke la larmo glitu,
perdiĝas la lenso
kaj la ebleco duonvidi

fajnan pecon da vero.)

CONVERSA DE SOMBRAS


Eram duas sombras numa cidade quente.  Cidade de clima causticante, metade do ano o sol a castigar  paralelepípedos, cabeças e  capotas dos carros que, ao final das tardes, caso permanecessem expostos , se transformavam  em  fornos.
Era sobre isso que conversavam as duas sombras, cada uma produzida por sua respectiva amendoeira, uma defronte da outra, diante de duas casas aprazíveis, em pacata rua residencial. Note o amável leitor que não eram as amendoeiras que conversavam, mas as suas sombras, frescamente derramadas sobre a calçada e a rua. Pois as sombras também conversam, e têm na palestra calma e reflexiva um modo conveniente de passar sua monótona vida de sombras, a refrescar o chão dos homens. O outro modo é observar em silêncio a vida que por elas transita, na forma de pedestres, passarinhos, cães de rua, automóveis e demais miudezas que vão e vêm.
Um pormenor relevante para a boa compreensão deste relato é que uma sombra era bem mais velha que a outra. Logo verá o leitor a razão dessa relevância. Ocorre que um dos moradores, precavido e sábio, plantara sua amendoeira alguns anos antes de seu vizinho de frente e,  havia já alguns anos, gozava dos benefícios de sua sombra  sobre a calçada. O outro, anos depois, atinou com a medida e seguiu o exemplo; passou-se pois algum tempo, até que também o segundo pôde usufruir de benesse equivalente.
Naquela manhã de verão selvagem, dizia a sombra mais jovem a sua madura companheira:
- Você viu, tia? O Onofre, dono da casa aqui do meu lado, anda furioso!
- Por que?
- Pois não é que um morador lá do fim do quarteirão anda estacionando o carro aqui comigo, na sombra do Onofre? Chega a hora do almoço, o pobre vem parar o carro e encontra a sombra ocupada. Agora é todo santo dia. O homem chega vermelho de calor e  fica roxo de raiva. Dou razão. O sujeito planta a sua árvore para ter a sua sombra, vem um folgado que nunca se preocupou com isso e usa a sombra dele?
Estranhamente, a sombra mais velha não deu continuidade ao assunto. Logo indagou do tempo, das possibilidades de chuva, dos ventos e das nuvens. Assuntos bem mais apropriados para  conversa entre sombras.
No dia seguinte, Onofre, ultrapassada sua curta paciência, altercou com o tal abusado do fim do quarteirão. A discussão foi áspera, quase ofensiva, e redundou em desavença talvez pelo resto das vizinhas vidas. Mas não houve acordo. Onofre insistia sobre seu direito à sombra, já que ele a havia providenciado; o invasor obtemperava que a rua era espaço público, a que todos têm o mesmo direito de ocupação, sendo todos igualmente cidadãos pagadores de (não poucos) impostos. Impasse. De ambos os lados, ceder seria reconhecimento de culpa e humilhação. Coisa velha entre homens.
- Você viu, tia? O Onofre não se conforma!
- ?
-  Anda coletando cocô de passarinho para jogar no carro do outro! Outro dia, amarrou uma garrafa plástica no pneu do carro. Quando partiu, foi aquela explosão! Qualquer dia quebra um vidro. Isso não vai dar bom resultado.
- Também acho.
- E você não dá razão ao Onofre, tia? O outro é um abusado!
- Concordo. Um abusado. Mas você não vê que os homens são mesmo abusados? Você ainda se admira? Eu já me acostumei... Eles são abusados e esquecidos.
- Como assim?
- Sabe, meu bem, eu tenho alguns anos de observação a mais  que você.  O Onofre é do seu lado, eu sei que você gosta dele, por isso não queria falar. Mas se você pergunta, eu explico. Antes de você nascer, quando só havia eu de sombra neste pedaço, sabe o que acontecia? Quantas vezes o Fagundes, aqui do meu lado, chegou com o carro e deu com a sombra ocupada! Sabe por quem? Pelo carro do Onofre! Fagundes deixava então  o carro debaixo do  sol, mas nada dizia, a bem da amistosa convivência. Eu ouvia quando ele comentava com a mulher: “Afinal, a rua é espaço público... E sombra é Deus que dá.”
Houve entre as duas sombras um longo silêncio. Depois, a mais jovem falou:

- Hoje, no final da tarde, chove uma pancada, com certeza.


OMBROJ INTERPAROLAS

Ili estis du ombroj en varma urbo.  Urbo de klimato senindulga, tiel ke dum duono de ĉiu jaro la suno draŝis stratŝtonojn,  kapojn kaj  supraĵojn de aῠtomobiloj, kiuj fine de la tago, se ili restis senŝirmaj, transformiĝis en fornojn.
Pri tio interparolis la du ombroj, ĉiu el ili produktata de sia migdalarbo, unu fronte al la alia, antaῠ du agrablaj domoj, ĉe trankvila kvartalo de loĝejoj. Rimarku la afabla leganto, ke ne la migdalarboj interparolis, sed iliaj ombroj, freŝe kuŝantaj sur la trotuaro kaj sur la strato. Ĉar ankaῠ ombroj interparolas, kaj ili havas en trankvila, medita konversacio taῠgan manieron pasigi sian monotonan vivon de ombroj, kiuj refreŝigas la grundon de homoj.  La alia maniero estas silente observadi la vivon, kiu trairas, en formo de piedirantoj, birdoj, strathundoj, aῠtomobiloj kaj ceteraj etaĵoj, kiuj iras kaj revenas.
Detalo grava por bona kompreno pri ĉi tiu rakonto estas tiu, ke unu ombro estis sufiĉe pli maljuna ol la alia. Baldaῠ la legango komprenos la gravecon de ĉi tiu informo. Okazis, ke unu el la loĝantoj, antaῠvidema kaj prudenta, plantis sian migdalarbon kelkajn jarojn antaῠ ol tion faris lia frontnajbaro, kaj sekve jam de kelkaj jaro ĝuadis la bonfaron de sia ombro sur la trotuaro. La alia, post kelkaj jaroj, ekatentis pri tio kaj sekvis la ekzemplon; pasis do iom da tempo, ĝis ankaῠ la dua povis ĝui ekvivalentan bonaĵon.
En tiu mateno de sovaĝa somero, la pli juna ombro diris al sia pli matura kunulo:
- Ĉu vi vidis, onklo? Onofre, posedanto de la domo miaflanka, estas kolerega!
- Kial?
- Nu, loĝanto el la ekstremo de la strato nuntempe lasas sian aῠtomobilon ĉi tie, en mi, en la ombro de Onofre! Ĉi tiu alvenas je la tagmezo, la kompatinda volas lasi la aῠton sed trovas la ombron okupita. Nun tio okazas ĉiutage. La homo alvenas ruĝa de varmo kaj fariĝas arda de kolero. Mi konsentas kun li. Homo plantas sian arbon por havigi al si ombron, poste venas senhontulo, kiu neniam zorgis pri tio kaj uzas lian ombron!
Strange, la pli maljuna ombro ne plu parolis pri la afero. Ĝi tuj demandis pri la vetero, pri la ebleco de pluvo, pri ventoj kaj nuboj. Temoj pli konformaj al interparoloj inter ombroj.
En la sekva tago, la neabunda pacienco de Onofre estingiĝis, li kverelis kun la senzorgulo el la ekstremo de la strato. La disputo estis akra, preskaῠ ofenda, kaj rezultigis malpacon eble por la cetero de ilia vivo de najbaroj. Sed ne eblis interkonsento. Onofre insistis pri sia rajto je la ombro, ĉar li ĝin produktis; la invadinto kontraῠargumentis, ke stratoj estas publikaj lokoj, kiujn ĉiu homo egale rajtas okupi, ĉar ĉiuj estas egale civitanoj pagantaj (ne malmultajn) impostojn. Sakstrato. Ambaῠflanke, cedi estus rekoni kulpon kaj humiliĝo. Antikva situacio inter homoj.
- Ĉu vi vidis, onklo? Onofre ne emas akcepti la aferon!
- ?
- Li kolektas fekaĵon de birdoj por ĵeti sur la aliulan aῠton! Antaῠ kelkaj tagoj, li ligis plastan botelon al la pneῠo de la aῠto. Kiam ĝi ekiris, okazis eksplodo! Eble li rompos glacon. Tio certe rezultos malagrable.
- Mi pensas same.
- Ĉu vi ne konsentas kun Onofre, onklo? La alia estas spitulo!
- Mi konsentas. Spitulo. Sed ĉu vi ne vidas, ke la homoj ja estas spitemaj? Ĉu vi ankoraῠ miras? Mi jam alkutimiĝis... Ili ja estas malrespektemaj kaj forgesemaj.
- Kiel do?
- Nu, mia kara, mi havas kelkajn jarojn pliajn da observado ol vi. Onofre loĝas ĉe via flanko, mi scias, ke vi estimas lin, pro tio mi ne emis paroli. Sed se vi demandas, mi klarigas. Antaῠ ol vi naskiĝis, kiam nur mi ekzistis kiel ombro ĉi-loke, ĉu vi scias, kio okazis? Multfoje Fagundes, la domposedanto miaflanka, alvenis en sia aῠtomobilo kaj trovis la ombron okupita. Ĉu vi scias, kiu okupis ĝin? La aῠto de Onofre! Tiam, Fagundes lasis sian aῠton rekte sub la suno, sed nenion diris, favore al plua amika kunvivado. Mi ofte aῠdis, kiam li komentis al sia edzino: “Nu, stratoj estas publikaj lokoj... Kaj ombrojn donas Dio.”
Okazis tiam inter la du ombroj longa silento. Poste, la pli juna diris:
- Hodiaῠ, antaῠ la vesperiĝo, certe torente pluvos.


terça-feira, 18 de março de 2014

O SAXOFONE



Do âmago de sucessivas noites,
entre estrelas pálidas e frágeis,
soavam as notas indefinidas
de um saxofone distante.
Estranhas melodias que nunca se repetiam,
às vezes escalas monótonas como mantras,
líquida música a pairar no breu.
Fiquei sabendo depois:
era aquele sopro musical,
puro vapor de som,
que afugentava o soturno voejar da morte
que rondava em círculos
e lançava silvos e saliva infecta,
ávida, voraz, impiedosa.
Abençoado saxofone.

SAKSOFONO

El la faῠko de sinsekvaj noktoj,
inter palaj, delikataj steloj,
sonadis nedifinitaj notoj
de fora saksofono.
Strangaj melodioj, kiuj neniam ripetiĝis,
foje gamoj monotonaj kiel mantroj,
likva muziko ŝvebanta en mallumo.
Poste mi eksciis:
tiu muzika blovado,
pura sonvaporo,
forigadis la ombran flugadon de morto,
kiu rondiradis
kaj ĵetadis siblojn kaj infektan salivon,
avida, vorema, senindulga.

Benata saksofono.

segunda-feira, 3 de março de 2014

A VISITA


A passos mansos ela se acercou, insidiosa,
em seu capuz sombrio,
e espalhou à volta o hálito pútrido.
Trouxe consigo a lâmina da angústia,
o veneno do medo,
a vertigem da culpa,
o abismo, o abismo.
Saliva espessa.
A pegajosa pele pálida do perigo.
O pensamento a vagar em veredas geladas.
Chegou, contemplou  a cena com tédio,
sorriu com cinismo
e retirou-se arrastando os pés,
a murmurar entre os descarnados dentes:
espero no quarto ao lado.


VIZITO

Per delikataj paŝoj ĝi alproksimiĝis, insida,
en sia ombra kapuĉo,
kaj disĵetis putran buŝodoron.
Ĝi alportis kun si la klingon de angoro,
la venenon de timo,
la vertiĝon de kulpo,
abismon, abismon.
Densa salivo.
La viskoza pro danĝero pala haŭto.
Penso vaganta sur glaciaj padoj.
Ĝi alvenis, kontemplis la scenon kun enuo,
ridetis kun ciniko
kaj foriris trenante siajn piedojn,
murmurante el inter la senkarnaj dentoj:

mi atendos ĉe la apuda ĉambro.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

O NATAL E O CÃO



Meu cão ficou muito nervoso na noite de Natal.
Os foguetes eram frequentes
e a cada explosão ele lançava um latido desesperado,
mistura de tormento e medo.
A hora de dormir tinha passado
e ninguém dava sinal de sossegar.
Meu cão não compreendia aquele tumulto,
aquele vozerio elevado,
aqueles papeis  coloridos esparramados no chão.
As pessoas pouco habituais,
a comilança fora de propósito,
abraços e beijos,
desejos de muita felicidade
e cheiro de espumante branco.
A desordem na casa.
Meu cão só se aquietou
quando o tomei no colo,
apaguei a luz
e fomos dormir.

KRISTNASKO KAJ HUNDO

Mia hundo estis tre maltrankvila en la Kristnaska nokto.
Raketoj estis oftaj
kaj post ĉiu eksplodo ĝi ekbojis senespere,
pro mikso de turmento kaj timo.
Jam pasis la horo por enlitiĝo
kaj neniu decidis kvietiĝi.
Mia hundo ne komprenis tiun tumulton,
tiun laŭtan babiladon,
tiujn kolorajn paperojn dise sur la planko.
Ne kutimaj homoj,
troa, nekomprenebla manĝegado,
ĉirkaŭbrakoj kaj kisoj,
deziresprimoj pri multe da feliĉo
kaj odoro de blanka ŝaŭmvino.
Malordo en la domo.
Mia hundo kvietiĝis nur
kiam mi prenis ĝin en miajn brakojn,
malŝaltis la lumon
kaj ni ekdormis.

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

ESTÓICO


Preto, muito preto. Pele de sobra sobre os ossos. Olhos descaídos em duas fundas cavernas.
As pernas bambas e nem um gemido.
Levaram-no para exames radiológicos.
“Levanta a cabeça!” “Engole o contraste.” “Prende a respiração!” “Vira de lado.” “Agora de frente.” “Só mais uma vez.”
Quando não agüentou mais e ameaçou desabar, deram por findos os exames.
“O Senhor é forte, seu João! Não reclama de nada!”
“Fazer o quê, doutor? Faz parte do meu pacote...”



                STOIKA

Nigra, tre nigra. Tro da haŭto sur la ostoj. Duonfalintaj okuloj en du profundaj kavernoj.
Malfirmaj kruroj kaj eĉ ne unu ĝemo.
Oni kondukis lin al radiologiaj ekzamenoj.
“Levu la kapon!” “Englutu la kontrastaĵon.” “Ĉesigu  spiradon!” “Turnu vin.” “Nun, de fronte.” “Lastan fojon.”
Kiam li jam ne eltenis kaj minacis kolapsi, oni finis la ekzamenojn.
“Vi estas forta, S-ro Johano! Vi tute ne plendas!”
“Kion fari, doktoro? Tio estas parto de mia pakaĵo...”

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

O TRAVESSEIRO

Depois da última dose do dia, saiu do bar e dormiu ali mesmo, na calçada nua.
Ameaçava garoar e a marquise era estreita.
Barba rala em cara ensebada. Sapatos sem cadarço. Unhas pretas.
Sob a cabeça, a servir de travesseiro,  um livro de capa colorida, com as pontas arrebitadas. O título ainda legível, em letras azuis: “História das Sociedades”.

KAPKUSENO

Post la lasta drinkdozo tiutaga, li eliris el la drinkejo kaj ekdormis tuj apude, sur la nuda trotuaro.
Pluveto alproksimiĝis kaj la alero estis nelarĝa.
Maldensa barbo sur grasmalpura vizaĝo. Senlaĉaj ŝuoj. Nigraj ungoj.
Sub la kapo, kiel kuseno, libro kun kolora kovrilo, kun ĉifitaj anguloj. Ankoraŭ legebla titolo, per bluaj literoj: “Historio de Socioj”.

DESPEDIDA


Sonhei. E o sonho meu      
à noite encheu de espanto o grande breu.
Eu vi. E o olhar sério
deixou-me em companhia do mistério.
Perdi. E nunca mais
há de nascer um dia como os tais.
Tão pouco. A vida, escassa,
mal deixa ver a sombra que perpassa.
Adeus. Tudo se finda.
Num canto da memória o aroma, ainda.

ADIAŬO

Mi sonĝis. Palpebrumo.
Pleniĝis per mirego la mallumo.
Mi vidis. Kaj mistero
nur restis ĉirkaŭ mi post la apero.
Mi perdis. Kaj ne plu
bluiĝos la ĉiel’ per sama blu’ .
Domaĝe. Tro rapide
la ombroj pasas fuĝe kaj misgvide.
Adiaŭ. Venis fino.
Aromo nur en la memorosino.


terça-feira, 12 de novembro de 2013

A VIDA É CURTA



Foi numa tarde de outono, luminosa e azul.
Era uma rua pedonal, com  gente alegre a  passear, num país de bons vinhos.
De um lado, o busto majestoso de um grande poeta.
Do outro, uma confeitaria  com doces de ovos e pães robustos.
Ao pé de mim, alguém  perguntou onde se podia tomar um refrigerante à base de cola.
Não soube responder.
Alguns passos adiante, li, colado a uma vitrine: “A vida é muito curta para se tomar vinho ruim.”

MALLONGA ESTAS LA VIVO

Ĝi okazis en aŭtuna posttagmezo, luma kaj blua.
Ĝi estis strato por piedirantoj, plena je gajaj homoj promenantaj, en lando de bonaj vinoj.
Unuflanke,  majesta busto de granda poeto.
Aliflanke, konfitejo kun dolĉaĵoj el ovoj kaj fortaj panoj.
Apud mi, iu demandis, kie oni povas preni kolaon.
Mi ne sciis respondi.

Kelkajn paŝojn antaŭe, mi legis ĉe montrofenestro: “La vivo estas tro mallonga por ke oni trinku malbonan vinon.”

terça-feira, 29 de outubro de 2013

NINGUÉM PODE SERVIR A DOIS SENHORES


Vivia com aquele livro encadernado com capa preta, pra cima e pra baixo.
Um dia um colega comentou:
- Você é muito religioso, não?
- Eu?! Religioso?!
- Sempre com a Bíblia em baixo do braço...
- Não é a Bíblia. É “O Senhor dos Anéis”.


NENIU POVAS ESTI  SKLAVO POR DU SINJOROJ

Li konstante portadis tiun nigre binditan libron, tien kaj reen.
Unu tagon, kolego komentis:
- Vi estas tre religiema, ĉu?
- Mi?! Religiema?!
- Ĉiam kun la Biblio sub la brako...
- Ĝi ne estas la Biblio. Ĝi estas “La Mastro de l’ Ringoj”.

domingo, 20 de outubro de 2013

O RISO

Todo riso é infantil.
Não é preciso aprendê-lo, apenas praticá-lo.
Por isso, ri alegremente, de tudo que possas.
Regressa ao menino que és
e ri, abertamente, dos outros meninos,
ri das aves palradoras que se repetem,
dos homens palradores,
das palavras canhestras,
das situações constrangedoras,
dos deslizes, dos tropeços.
Ri, sobretudo,  de ti mesmo, que é o riso mais saudável.
Ri, sem censura,
no mais puro exercício de liberdade.
Nunca peças desculpas por rires,
e nunca te arrependas.
Abre a boca e ri, sem limite, bobamente.
Toma para ti o riso que está no mundo,
ele te pertence, por pleno direito.
Busca-o, acha-o, colhe-o, come-o,
fruto sumarento.
Porque o choro – este não será preciso buscar.


RIDO

Ĉia rido estas infaneca.
Ne necesas lerni ĝin, nur praktiki ĝin.
Tial, gaje ridu, pri ĉio, kio al vi eblas.
Revenu al la knabo, kiu vi estas
kaj plene ridu pri aliaj knaboj,
ridu pri la parolkapablaj birdoj, kiuj ripetadas,
pri la parolkapablaj homoj,
pri la misaj vortoj,
pri malkomfortaj situacioj,
pri eraroj, pri stumbloj.
Ridu precipe pri vi mem, kio estas plej sana rido.
Ridu sen cenzuro,
laŭ plej pura praktikado de libereco.
Neniam pardonpetu, ke vi ridis,
kaj neniam pentu.
Malfermu la buŝon kaj ridu, senlime, stulte.
Prenu por vi la ridon, kiu estas en la mondo,
ĝi apartenas al vi, plenrajte.
Serĉu ĝin, trovu ĝin, pluku ĝin, manĝu ĝin,
sukan frukton.
Ĉar ploron – vi ne bezonos serĉi.

sábado, 19 de outubro de 2013

ESTAR JUNTO ESTAR SÓ



quando estamos juntos
importa o brilho do céu
a flor exótica
o recorte da terra junto ao mar
o pio da ave desconhecida
o gosto seco do vinho rubro
o pão molhado no azeite

quando estamos sós
roda a vertigem de um lugar muito alto
um velho adágio soa algures
a brisa arisca entre a folhagem
o cimo do monte
uma pequena náusea
um zumbido
uma recordação muito antiga
uma súbita saudade talvez

quando juntos – soa fora o ruído
quando sós – o ruído soa dentro
é preciso estar junto
é preciso estar só


KUNESTI  SOLESTI

kiam oni kunestas
gravas ĉiela helo
ekzota floro
la linio de tero ĉe marbordo
la pepo de nekonata birdo
la seka gusto de ruĝa vino
pano trempita en oleo

kiam oni solestas
rondiras vertiĝo en tre alta loko
malnova proverbo ie sonas
fuĝema venteto inter la foliaro
la supro de monto
eta naŭzo
zumado
tre antikva rememoro
eble subita resopiro

kiam kune – sonas for la brueto
kiam sole – la brueto sonas ene
necesas kunesti
necesas solesti