quarta-feira, 13 de março de 2019

SOBRE O DECORO


Imperador D. Pedro II, em Petrópolis
Foto PSV - 2016



Por causa de certas constrangedoras estripulias de homens públicos, tem vindo à tona o conceito de “decoro”. Vejamos.
Quando uma criança arteira belisca um colega na sala de aula, trata-se de uma travessura; se um fiel solta sonora gargalhada no meio da missa, num momento de recolhimento, trata-se de falta de compostura; certo palavreado e gestualidade que todos conhecemos pode chegar à obscenidade; por fim, o simples comentário infeliz se costuma chamar inconveniência.
Quando se trata de falta de decoro?
A palavra, em sua origem, significa “o que convém”, é bonito, é ornamental. Está também na origem do termo “decoração”. O decoro enfeita aquele que o usa no momento adequado. A falta dele, como as mães costumam dizer aos filhos, é uma “feiúra”. O decoro é uma espécie de elegância, como um terno bem cortado, o colar no colo da rainha, a palavra do jurisconsulto.
Mas há momentos em que o decoro, levado ao extremo, reprime e sufoca a natureza humana. No belíssimo romance “Os Vestígios do Dia”, do nipo-inglês Kazuo Ishiguro, de 1989, o Sr. Stevens, mordomo de nobre castelo, faz interessante explanação sobre o que ele considera o elemento mais importante  para o perfeito desempenho de sua profissão: a dignidade. Fala com tal fervor que o leitor se convence. No entanto, quando lhe morre o pai, ele não se permite comparecer ao leito do falecido sequer para lhe fechar os olhos, porque seria indigno  interromper, ainda que por um instante, o serviço aos importantes convivas que naquele momento se reuniam no castelo. E seu rosto não pode trair qualquer emoção. Em nome da dignidade.
A falta de decoro é uma espécie de escândalo, e no entanto, como diz o Evangelho, às vezes o escândalo é necessário. Diógenes escandalizava Atenas ao rolar seu barril pela cidade e procurar um “homem” com a lanterna acesa, em pleno dia. Os impressionistas escandalizaram o mundo com sua pintura sensorial e arrojada, e revolucionaram a arte. Os modernistas aprofundaram o escândalo, abrindo ampla janela para a concepção da própria arte. Drummond chocou puristas, ao versejar uma pedra no meio do caminho; depois virou o santo da poesia brasileira. Ai de nós se essas pessoas tivessem reprimido a sua “falta de decoro”!
Chegamos então a um ponto delicado: quando se tem o direito de quebrar o decoro?  e quando esse direito nos é completamente vedado?
Fique o leitor com seus botões, que não serei eu a pretender clarear de todo a questão. Arrisco apenas um modesto comentário. Quando se ocupa um cargo público, quando se é investido de representante da vontade popular, quando se personifica uma nação e todo um povo, já não se pode mais ser dono de si. Fica vedado o direito à liberdade de ser extravagante, que às vezes assiste ao homem comum.
Nesse caso, todo decoro é pouco.


PRI DIGNO

Pro iaj iom hontigaj petolaĵoj de gravaj aŭtoritatuloj, oni lastatempe konsideras la koncepton de “digno”. Ni vidu.
Kiam malbonkonduta infano pinĉas kolegon en klaso, temas pri petolaĵo; se fidelulo sonigas laŭtan ridegon meze de meso, en momento de enmemiĝo, temas pri miskonduto; certa vulgara vortumado kaj gestumado, kiun ni ĉiuj konas, eble atingas la limon de maldecaĵo; fine, simplan neindan komenton oni kutimas nomi nekonvenaĵo.
Kiam temas pri manko de digno?
En la portugala lingvo (kaj aliaj lingvoj), oni uzas la vorton “decoro”, kiu origine signifas “konvena”, “bela”, “ornama”. Ĝi havas la saman originon de la vorto “dekoracio”. “Decoro” ornamas tiun, kiu uzas ĝin en la ĝusta momento. Manko de ĝi, kiel patrinoj kutimas diri al siaj idoj, estas “malbelaĵo”. “Decoro” estas speco de eleganteco, kiel fajna vesto, kolĉeno ĉirkaŭ la kolo de reĝino, parolo de juristo. (Ankaŭ en Esperanto ekzistas la vorto “dekoro”, sed nur en la senco de “dekoracio”, ornamo. Mi proponas, ke oni rajtu uzi ankaŭ la esprimon “persona dekoro”, en la senco de “persona digno”, en la sama metafora maniero.)
Sed ekzistas momentoj, kiam digno, en ekstremaj situacioj, subpremas kaj sufokas la homan naturon. En la belega romano “The Remains of the Day”, de la japan-angla Kazuo Ishiguro, publikita en 1989, S-ro Stevens, ĉefservisto en nobela kastelo, faras interesan argumentadon pri tio, kion li konsideras la plej grava elemento por perfekta plenumado de sia profesio: digno. Li parolas kun tia fervoro, ke la leganto konvinkiĝas. Tamen, kiam mortas lia patro, li ne permesas al si alveni ĉe la lito de la forpasinto almenaŭ por fermi liajn okulojn, ĉar estus nedigne interrompi, eĉ se dum nur unu momento, la servadon al gravaj gastoj, kiuj tiam kunsidis en la kastelo. Kaj lia mieno ne rajtis montri ian ajn emocion. Ĉio je la nomo de digno.
Manko de dekor-digno estas speco de skandalo, kaj tamen, kiel diras la Evangelio, skandalo foje estas necesa. Diogeno skandalis Atenon, kiam li rulis sian barelon tra la urbo kaj serĉadis “homon” per lumanta lampo, en plena tago. Impresionistoj skandalis la mondon per sia sensa, aŭdaca pentrado, kaj revoluciis arton. La modernistoj profundigis la skandalon, malfermante larĝan fenestron al la koncepto de arto mem.  Drummond* ŝokis puristojn, kiam li versumis pri ŝtono sur la vojo; poste li fariĝis sanktulo de la brazila poezio. Ve al ni, se tiuj homoj subpremus sian “mankon de dekor-digno”!
Ni do alvenis al delikata punkto: kiam oni rajtas rompi la dignon? kaj kiam tiu rajto estas al ni komplete malpermesata?
La leganto restu kun sia cerbumado, ĉar mi ne pretendas klarigi ĉion, ĉi-rilate. Mi apenaŭ riskas fari modestan komenton. Kiam iu persono okupas publikan postenon, kiam li sin tenas kiel reprezentanto de la popola volo, kiam li personigas tutan nacion kaj tutan popolon, tiam li jam ne rajtas esti posedanto de si mem. Estas malpermesata la rajto al la libereco de ekstravaganco, kiun foje ĝuas ordinara homo.
En tia okazo, ju pli granda digno, des pli bone. 

* Carlos Drummond de Andrade (1902-1987): 
brazila poeto, kies plej fama poemo, 
en la komenco de la modernisma movado, tekstis: 
“Estis ŝtono meze de l´vojo, meze de l´vojo estis ŝtono (...)”

9 comentários:

  1. Tre pensiga via tezo, kara amiko!
    Dankon pro la kuragxo gxin publikigi al la mondo...
    La foto elektita tute koheras!

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  2. Kia bela, riĉenhava kaj oportuna kroniko! Gratulon!

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  3. Falta de decoro de quem não lê este texto.

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  4. Texto maravilhoso! Devia ser distribuído na Esplanada dos Ministérios, onde falta muito decoro. Este é o Paulo ensaista!

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  5. Manko de 'decoro' certe estas manko de koro, almenaŭ manko de ofta kontakto kun la koro, tiu centro de saĝeco je nia dispono, kun eĉ plia atingo kompare la cerbon, laŭ ĵusaj esploroj de neŭrosciencistoj. (Verkite surbaze de komentario de Angela. Nur la vortumo estas mia).😉

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  6. Texto maravilhoso e claro. Gostoso de se ler. "Comentário" que convida ao pensamento!

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  7. Que texto incrível e que reflexão tão necessária e lúcida. Já virei fã desse blog! Aproveito para sugerir um episódio de um podcast onde conversam sobre o conceito de decoro do ponto de vista constitucional e relatam a evolução histórica do decoro no Brasil. Um grande abraço e parabéns!! PS: aqui é a Thays, amiga "espanhola" da Marion
    https://www.nexojornal.com.br/podcast/2019/03/10/O-decoro-dos-pol%C3%ADticos-quando-o-jeito-de-se-comportar-%C3%A9-relativo

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  8. Já dizia o romano Horácio "Dulce et decorum est pro patria mori" (Doce e honrado é morrer pela pátria). O decoro, aqui não é uma honradez que é atribuída ao homem por alguma ação externa, mas aquela que flui naturalmente do coração do indivíduo (de cor, como o Paŭlo Nascentes tão bem intuiu) aquela que se aprende por si mesmo sem ter alguém que a ensine.
    Dada essa condição atávica do decoro, duvido muito que certos governantes possam um dia vir a adquiri-lo, pois estão fadados a serem, para sempre, pura e tão somente, homens mais que ordinários.

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  9. Kara Paulo, Viaj pensoj estas ĵuveloj. Ĵuveloj oni ne komentarias nur kontemplas!

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